A morte que mata!

CRÔNICA

Rosangela Portela

Alguém me disse que revisitar o passado é descobrir que você não mora mais lá. Que bom! Assim, podemos acreditar que existe sempre uma boa morada no futuro. Do contrário estaríamos fadados à morte, antes mesmo de ela nos visitar.

Isso me encoraja a olhar para o espelho e reviver aquele que foi o primeiro dos piores dias da minha vida. O dia em que percebi o quanto a vida é efêmera e cruel.

Um vento frio e sombrio sopra em meu rosto. O fechar dos olhos me permite sentir a tristeza de olhar para trás e ver as pegadas de alguém que encheu os nossos corações de alegria e esperança e, num piscar dos olhos, foi levado para o andar de cima.

Como explicar para um coraçãozinho de 03 anos que seu irmão partiu para uma viagem sem volta? Um menino de apenas 13 anos, cujos sonhos ainda estavam no papel, um exemplo de filho dedicado e irmão protetor. É assim que eu me lembro do Rubens.

O velório

Minha casa era espaçosa. Sempre recebíamos visitas. E os parentes chegavam aos lotes ocupando todos os espaços, aproveitando as muitas festas que meus pais ofereciam. Mas, nesse dia, algo estava estranho. Ao invés de risos, músicas, bebedeiras, as pessoas externavam gemidos de dor.

Corpos entregues a abraços apertados, outros sendo socorridos com os olhos carregados de dor e sofrimento, em um mar de lágrimas que não acabava mais. Ainda consigo ouvir os gritos da minha mãe, em um choro cansado, desfalecido. Ela ali, sentada, ao lado de algo que só depois eu soube que se chamava caixão.

Cheiro de café. Bolacha de motor na mesa. Eu senti a mão de alguém me puxando para fora da sala. Um zum zum zum danado!  Cheiro de vela. Pessoas cantando “segura nas mãos de Deus e vá”. Vá para onde?! Eu me perguntava.

Eu, perdida naquele mar de tristezas, não conseguia sequer traduzir o que as pessoas falavam. Era um cruzar de informações e tantos movimentos… não tinha ninguém pra eu brincar.

Em uma das escapadas, consegui ultrapassar os transeuntes e me deparei com aquele corpo, coberto de flores. Eu, na ponta dos pés para tentar vê-lo. Era o meu irmão, deitado. Não pude conter minha imaginação. Ao redor dele, não via mais pessoas, e sim uma luz branca que tinha, ao fundo, um lugar tranquilo, com um lago sereno. Algo que transmitia paz. “Ele tá dormindo?!”

Alguém encosta em mim e interrompe aquele meu momento-descoberta. Ali, sendo empurrada para um lado e para outro, nem me importava com os escorões, só queria voltar àquele jardim que rodeava o corpo do meu irmão. Parecia tudo tão bonito. Mas, por que tanto choro?!

Custou-me entender o que aquele momento representava. Uma furada de prego, o tétano, a morte. Minha mãe também morreu por alguns anos. O sofrimento e a tristeza tomaram conta de todos. Anos difíceis. Foi assim que descobri que a morte mata não só quem é levado para os braços do Pai, mas também aqueles que ficam.

Que bom que eu não moro mais no passado! Vida que segue.

@amazonianarede

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