Um caso de polícia em Orlando-Flórida

Orlando, Flórida

CRÔNICA

Rosangela Portela

Já era noite. A magia e o encanto daquele espetáculo de luzes e cores ainda estavam vivos em nossas cabeças. Acabávamos de sair de um dos parques da Disney. Disputávamos comentários. Todos querendo relatar as impressões e experiências vividas naquele espaço fantástico que reunia pessoas de todo o mundo. Éramos 11 na van. 9 adultos e 2 crianças.

No caminho de volta, uma parada básica no Walmart, um tipo de supermercado que vende de tudo. E esta unidade aberta 24 horas. Um tanto ainda eufóricos, largamos mochilas e bolsas no carro e, com passos largos, adentramos o estabelecimento, ainda nos atropelando nas histórias recém vividas. Perdemos-nos uns dos outros por uma hora para então reunirmos novamente aquele grupo ainda caracterizado com blusas estampadas com a carinha do Mickey e identificação Family Trip. As mulheres todas claro com a tiara da Minnie. Que fofura! Mal sabíamos o que nos esperava.

Saímos em direção ao veículo. Ainda nos acomodávamos, em meio a tanta bagunça deixada, quando um de nós soltou aquele desabafo, em um misto de surpresa e dor: fomos roubados!!

Por um instante,  todos se olharam tentando descobrir de onde partira aquela brincadeira sem graça e inapropriada, tamanha era nossa nostalgia do mundo encantado…mas, pasmem, fomos roubados! E o pior: todos os passaportes com os vistos.

Se fosse aqui descrever a sensação de cada um, o texto ficaria enfadonho e repetitivo, mas, cada um de vós, leitores, pode se enquadrar em um dos personagens e se imaginar naquela situação. E agora?!

Pensei: da Disney para o CSI.

Nada de princesas, príncipes, castelos, looney tunes…mas carros de polícia,  helicópteros, perícia, captura, identificação criminal. Outro cenário comum em filmes americanos. Estávamos vivendo os EUA em toda sua plenitude.  Pensava eu!

Meia hora de espera pela autoridade policial. Antes disso, uma caminhada pelos arredores do estacionamento. Os resquícios do crime presentes nas embalagens de perfumes e desodorantes roubados pelos meliantes, panfletos de orientação, entre outros objetos que estavam nas bolsas e mochilas. Sensação difícil essa de ser invadida.

Mas, voltemos à chegada da viatura. De longe avistei o giroflex, e a sirene já gritava raivosa arrastando aquele carro do local, na minha cabeça em direção ao bairro vizinho, direção para a qual os vestígios apontavam. Vi outros dois ou três carros de polícia na pista principal . Imaginei: começou o cerco policial. Certamente, imagens de câmeras de segurança de um centro de operações como o Ciops já haviam até capturado a face do (s) bandido  (s). Logo logo estaríamos frente a frente com os meliantes e de posse dos pertences roubados.

Foi quando descobri que ficção não é realidade. E os EUA não são diferentes de outros países,  como o Brasil, em que o crime ganha da repressão. Achei que cadeira elétrica, pena de morte ou perpétua limitassem as ações dos bandidos, principalmente em áreas povoadas por turistas. Áreas que na minha cabeça estavam cercadas de cuidados. Mais ainda que as instituições policiais fossem tão perfeitas a ponto de identificar se estávamos respirando ou não. Ledo engano. .. Vamos aos fatos.

Enfim, o registro da ocorrência

Três ocupantes do veiculo estavam incumbidos de fazer a denúncia. A chegada da primeira viatura já iniciava nossa caminhada na contramão do que esperávamos. Apenas uma pessoa do grupo falava inglês.  Ciente dos fatos ocorridos, a policial alegou precisar atender a uma ocorrência mais urgente e se retirou do local, sem ao menos ir até o carro para identificar o arrombamento. Também afirmou que iria acionar outro colega que falasse espanhol. Em Orlando, os dois idiomas são comuns.

Chocados, mas acreditando que era uma brincadeira do destino, passamos a aguardar pela outra viatura que acreditávamos já estar a caminho. Uma hora depois, nos dirigimos à administração do supermercado para reiterar o chamado. Três atendentes conversando em inglês e espanhol tentavam entender a evasão da agente policial e uma delas refez a chamada nos alertando que não tirássemos o veículo do local pois era uma evidência.  Para nosso espanto, veio a seguinte resposta: foram atender a uma chamada mais urgente e uma hora eles chegam aqui. Não sabemos precisar quando, mas o supermercado não fecha. Podem ficar aí esperando.

E S P A N T O!

Pessoas entravam e saíam. A chuva já se fazia grossa lá fora. Na van, as duas idosas não sabiam mais como descansar seus corpos. E as crianças desmaiadas em um sono perturbado e indeciso. Nós?  Nem podíamos sentir nada frente a tudo que teríamos que resolver para então voltamos ao Brasil.

Eram 2h15 da manhã quando enfim tivemos a atenção da polícia local. A magia da Disney se refletia também nas histórias policiais, pois todo o aparato de segurança e a eficiência no atendimento das ocorrências que imaginávamos ser realidade, na verdade era fantasia.

Foram 3 horas e 15 minutos de espera para recebermos um cartão com o número da ocorrência e a indagação se queríamos formalizar a denúncia. Ao que respondemos “Para quê ? Não vai adiantar”.

Nada de perícia, perseguição policial, helicópteros ou captura aos foragidos. Descobri que há mais semelhanças entre os países do que pensamos. Que o “1o” mundo é tão falho quanto o 2o, o 3o, se houver. Que esconder a bolsa embaixo do banco ainda é uma alternativa, pois a minha foi a única que se salvou. E o crime, assim como a ineficiência da polícia diante dele, são o mesmo.

De volta para casa, às 03h30 da manhã,  só nos restava descansar o corpo triste e faminto, perplexos diante daquela fatídica realidade. E aguardar o futuro não mais tão fantasioso que deveríamos enfrentar em torno dos trâmites para retornar ao Brasil.

@amazonianarede

 

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