Navegação no Pará: passageiros sofrem com má qualidade do serviço

23-05barcoBelém, PA – Enquanto espera que a fila imensa dê uma aliviada, a mulher, sem melhor opção, dorme em cima da própria bagagem. O cenário irá se repetir algumas horas depois, quando já dentro da embarcação que as transporta até o porto de Camará, no Marajó, diversos passageiros estendem lençóis e toalhas no chão do barco e dormem por ali mesmo.
Não é fácil ser passageiro de barco no Pará. Os portos são deficientes, as embarcações não são suficientemente confortáveis e os serviços deixam a desejar. Quem vem de fora estranha. “Não é muito limpo. É mais ou menos”, arrisca num português o suíço Nicola, 24 anos, que vai ao Marajó a primeira vez, com a namorada Anja, ao lado. Nicola se refere ao momento antes do embarque.

Já no meio da baía, mesmo de bom humor, diz que os serviços poderiam ser mais eficientes. É uma constatação semelhante ao de Ana Paula Amistalde, 32 anos. Argentina moradora de Buenos Aires, também ia conhecer o Marajó pela primeira vez. “Podia ser melhor, mais organizado. É um pouco confuso. E deveria ter ar condicionado tanto lá no embarque como no barco”, diz ela.

Do Rio de Janeiro o casal Wagner Borba, 59 anos e Cristina Amendoeira, 58, comparavam com a travessia Rio-Niterói, mais curta. “É parecida, as mesmas condições, pro bem e pro mal”. Ao longe, se começa a perder de vista a visão do novo terminal hidroviário prometido pelo governo do Estado. Anunciado com estardalhaço, já nasce sob o signo da polêmica. “Vai ficar bonito, mas não vai mudar nada”, vaticina a passageira Ana Cláudia. Acostumada a fazer o percurso, ela diz que o problema se estende aos portos de chegada também. “É maquiagem o que está sendo feito em Belém”, diz.

Ao longo do trajeto, as pessoas se ajeitam como podem. Algumas cadeiras do barco estão arrancadas, são desconfortáveis. Muitos optam pelo chão como ponto de descanso. É uma imagem que se vê também no terminal. Em uma cidade marcada pela chuva, não há proteção para quem estiver embarcando no trajeto entre o terminal e o barco .A chegada em Camará é atropelada. É estreito o espaço para saída dos passageiros. Eles se empurram e se acotovelam. Alguns preferem sair pelas laterais do barco. O terminal é sujo, sem estrutura e representa um péssimo cartão de visita ao turista que desembarca ali.

O cenário fica pior quando chega a balsa, meia hora depois. O passageiro salta imediatamente num terreno barroso e tem de correr para conseguir um lugar nas poucas vans disponíveis. “Falta uma expansão aqui. Às vezes têm acidentes, os idosos não têm lugar para eles. É preciso organizar esse porto”, reclama Dário Pedrosa, integrante de uma associação denominada ‘Acorda Marajó’, que luta por melhorias no arquipélago.

LEVANTAMENTO

A situação ruim do terminal não é de hoje. Em uma série de reportagens publicadas em fevereiro, o Diário já havia revelado o resultado de um levantamento encomendado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que mostrava que nenhum terminal paraense apresentava padrão de atendimento elevado. Apenas 12% dos terminais apresentaram padrão considerado médio. Os únicos considerados medianos foram o terminal hidroviário Domingos Moura Rebelo, em Breves e o porto da CDP em Óbidos, que obtiveram percentual médio de 58%.

Todos os outros apresentaram baixo padrão de atendimento, com percentuais médios da ordem de 22%. “Constata-se que esses terminais precisam, de forma imediata, passar por adequações na busca de padrões aceitáveis. Os terminais do estado necessitam de melhorias, uma vez que apresentam baixo padrão de atendimento na maioria dos requisitos mínimos exigidos para um terminal de passageiros”, dizia o relatório da pesquisa, sob o título ‘Caracterização da oferta e da demanda do transporte fluvial de passageiros na Região Amazônica’. “Os terminais não são adequados e o perfil dos usuários mostra que há um desinteresse em investimentos públicos nesses locais”, diz Ana Paula Fajardo, chefe da Unidade Administrativa Regional da Antaq, que engloba Pará e Amapá.

No percurso de volta, ainda faltando mais de meia hora para o barco atracar em Belém, os passageiros começam a se aglomerar à saída. “É estreitinho, tem que se colocar logo no ponto, senão demora a sair”, diz um passageiro. O barco encosta. Um homem, cansado de esperar, tenta sair pelas laterais do barco. Um segurança manda que ele volte. O homem se conforma e de aperto em aperto, consegue desembarcar. Depois dispara atrás de um táxi. “É sempre assim”, diz uma senhora ao lado. “Falta pouco pra gente ser gado aqui nesse espremedouro”. Como ela, são mais de dez milhões de passageiros por ano nos rios da Amazônia paraense. E o rio, que é rua, retrata também o resto do estado. Abandonado, mas maquiado.

Fonte: Diário do Pará

 

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