Homem de 77 anos acompanha parte da história do Acre à beira do Barranco

28-05acRio Branco, AC – Raimundo Nonato Lima poderia ser chamado de Rei Mundo (ou das Tarrafas), mas gosta do apelido Raimundão, assim mesmo, no grau aumentativo, para lembrar que o mundo é grande. Pescador, estivador, marceneiro e artesão, vive no fim da Rua Beira Rio, na Cidade Nova, praticamente como 77 anos atrás.
A diferença entre ele e a cobra grande da Gameleira é que é uma lenda viva. A cobra… Bem, nunca se comprovou se ela realmente existiu.

“Mas quando eu vendia água na Praia da Base, eu vi, toda semana, menino sumindo lá no poção”, relembra o velho.
Raimundão é um brincalhão nato. Nasceu e vive até hoje, próximo ao buraco da Beira Rio, uma cratera do tamanho da lua causada pela erosão do Rio Acre.

Ali, faz tarrafas, casinhas de cachorro, mesa de madeira e montaria. Montaria! Como assim?

“É um tipo de canoa pra duas pessoas. É a menor delas. Fiz muito sob encomenda. Hoje não tem mais saída. As pessoas estão mais modernas e o Rio Acre já não é mais o mesmo”, diz.

Até os 54 anos foi estivador, depois aprendeu a fazer tarrafa e até hoje tece. As mesas de madeira, enfeitadas com temas da Copa do

Mundo estão saindo bem, mas seu forte mesmo são as tarrafas.

“Nos últimos 30 anos, fiz umas dez”, conta. Ah, bom.

E só? “Tá bom, acho que umas dez mil”, sorri.

As teias de nylon são de dar inveja à Aracne, a jovem líbia que desafiou Minerva a qual ficou tão furiosa com a petulância dela, que a transformou em uma aranha.

“Vixe Maria, prefiro virar cobra grande”, brinca. Do espinhel ao arrastão, Raimundão conhece todos os meandros. Vive de uma aposentadoria de um salário mínimo como estivador e lembra que já carregou nas costas de mangarás cheios de banana a castanha-do-Brasil.

As tarrafas lhe dão um ganho extra. Podem variar, de acordo com o tamanho de R$ 200 até a opção do freguês.

Além de vender copinhos d’água na Praia da Base, se gaba de ter conhecido pessoalmente personagens ilustres. De Zezé de Camargo, nos shows praieiros ao governador José Augusto, deposto pelo regime militar, no golpe de 1964.

“O Zé era muito popular, assim como o Zezé. Cada qual no seu tempo”, frisa.

“O governador era muito popular. Muito querido pelo povo e vivia por aqui, nesses barrancos conversando com um e com outro. Bons tempos aqueles”.

Mas como tudo gira, tudo roda, Mundão encara o tempo com naturalidade. Mas não esquece de mandar um recado para a mocidade.

“Cuidem bem do Rio Acre. Ele não é mais rapaz, assim como eu, mas como um bom velho, que já contribuiu tanto com a vida, merece atenção para continuar pulsando. Esse é o verdadeiro sentido da vida”.

Foto: Odair Leal/ A GAZETA do AC

 

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