Cultura do interior do Amazonas será conhecida na França

As expressões tradicionais da cultura do interior do Amazonas em risco de desaparecer são estudadas e registradas em documentários, filmes, CDs, livros e fotografias pelo Governo do Estado, via Secretaria de Estado de Cultura (SEC). Uma parte do trabalho de salvaguarda do patrimônio imaterial do Amazonas vai ganhar em outubro as “telinhas” francesas.

Uma parceria técnica entre a SEC, a TV5 da França (TV pública) e o Ponto de Cultura Centro de Preservação, Conservação da Cultura-Arte e Ciências (Cultuam) de Maués (município a 276 quilômetros de Manaus) viabilizou a produção de um documentário que retrata expressões como o Gambá – ritmo do interior do Amazonas, a Tapiraiauara – dança dramática que remete a mitos amazônicos, e a Romaria dos Esmoleiros – tradição da folia dos devotos de santos que durante 60 dias percorrem os rios da região em busca de donativos para a festa de seus santos e com eles carregam as ladainhas em latim e a festa de Gambá.

De acordo com o assessor da Gerência de Patrimônio Imaterial da SEC, o antropólogo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/ Ufam) Cristian Ávila, o documentário será exibido em horário nobre, na França, em dois canais de televisão – TV Vosgés e TV Ushuaia (filiada da TV5 especializada em filmes e documentários). A SEC é coprodutora do audiovisual.

“Também há a intenção de o documentário circular em festivais e ser vendido para canais de televisão no Brasil, com os recursos todos voltados para os mestres das expressões”, disse Cristian. O antropólogo acompanhou durante um mês a produção audiovisual da TV francesa, em 14 comunidades de Maués.

Ano passado, o próprio pesquisador havia passado dois meses no interior, quando visitou 82 comunidades, coletando material que depois resultou em dois livros editados pela Secretaria, além de filme e CDs: “Os tambores da floresta” e “Patrimônio em foco”. O primeiro livro tem o Cristian como autor e o segundo é uma parceria dele com a historiadora Assíria Napoleão.

Lançamento – Para este ano, a Secretaria planeja lançar o DVD e o CD do Gambá de Maués ao vivo no Teatro Amazonas. Além de ritmo e música, o Gambá é um instrumento de madeira oca, coberta com pele de veado, o que dá melhor ressonância, mas também pode ser de porco do mato (catitu) ou jaguatirica.

“Fazemos o fomento e a difusão das atividades culturais, mas não deixamos de lado as pesquisas e registros para preservar o patrimônio imaterial, como as manifestações tradicionais que resistem no interior do Estado”, disse o secretário Robério Braga.

No Dia da Consciência Negro, 20 de Novembro, a SEC trará para Manaus vários grupos de manifestações culturais para se apresentarem na Mostra de Cultura Popular do Amazonas, um festival que já faz parte do calendário da Secretaria e busca dialogar com as várias demandas culturais.

Romaria dos Esmoleiros – Durante os 60 dias que antecedem a festa do santo da comunidade, os mestres do Gambá, também conhecidos como comitivas de santos, vão parando em várias comunidades indígenas e ribeirinhas levando os santos de devoção e recolhendo donativos para as festas de seus padroeiros.

Segundo Cristian Ávila, a comitiva, em geral, é formada por homens aposentados, que divididos em grupos viajam numa “romaria de esmoleiros” pelos rios da região em canoas motorizadas com rabetas com capacidade para cinco a seis pessoas, em média. Para o documentário, a TV francesa acompanhou um dos grupos dessa comitiva, o grupo Pingo de Luz, durante duas semanas, que tem como padroeiro São Pedro (29 de junho).

Ao chegar às comunidades, o grupo canta as ladainhas santas em latim e os ‘gambazeiros’ cantam rezas como o Pai Nosso, Ave Maria e o Creio em Deus Pai. O antropólogo lembra que as doações são promessas feitas aos santos, geralmente para receber a graça de uma cura, mas têm também promessas inusitadas, como ganhar dinheiro para mandar o filho ou filha para estudar em Manaus.

De acordo com Cristian, o gambá é uma música profana que acompanha a festa do santo, que é sagrada, sendo também um instrumento importante de evangelização católica. “Os padres mais tradicionais dizem que é crendice do povo, já os mais novos tem absorvido bem, até porque eles não têm pernas suficientes para chegar a todas as comunidades”.

Na avaliação de Cristian, o Gambá é o maior exemplo de formação social do Amazonas, dos contributos que os diferentes grupos deram para o Estado. “Tem coisa da musicalidade que lembra o Nordeste, e a maior parte dos pais dos gambazeiros veio dessa região. Ao mesmo tempo, o gambá também estava entre os indígenas. E tem aquele que o pai era nordestino e negro, e aqui ainda recebeu a influência das ordens cristãs católicas, como a Jesuítica”.

Tapiraiauara – Conhecida há muitos séculos pelos indígenas da Amazônia como onça d’água, a Tapiraiauara como manifestação tradicional na comunidade Santa Maria, no interior de Maués, é uma dança dramática com um bicho metade onça e anta, e com “visagens” e o macaco – responsável pelas estripulias e brincadeiras – dançando em volta.

Na Tapiraiauara, os comunitários cantam sobre sua história e a proteção da fauna e flora. E assim como no Gambá, todas as músicas são composições próprias. O bicho é representado como uma espécie de monstro com uma grande bocarra – cabeça de onça e corpo de anta – que maltrata os caçadores que matam por prazer.

Gerência de Patrimônio Imaterial – A Gerência de Patrimônio Imaterial da SEC é responsável por ações de pesquisa e de formação em projetos no interior. Além dessas manifestações acompanhadas pela Secretária em Maués, hã muitas outras espelhadas no Estado, como o Seringandô e a festa de São Surué, em Humaitá (a 675 quilômetros de Manaus). Desde o ano de 2006, a Secretaria já registrou mais de uma dezena de manifestações tradicionais no Estado.

O Seringandô é uma dança de par acompanhada pela música de Gambá, enquanto o São Surué é a festa dedicada ao santo de mesmo nome. Segundo Cristian, há 70 anos um ribeirinho encontrou um pedaço de pau queimado no meio da mata e achou que ele tinha o formato de um santo – o Surué – e o levou para a comunidade. A partir de então teve início, a adoração daquele tronco como se fosse um santo.

Em 2009, a SEC fez um trabalho no qual implantou o ensinou do gambá nas escolas da comunidade de Maués. Durante dois anos, as crianças aprenderam a cantar e tocar Gambá, como uma forma de estímulo e fomento a salvaguarda da manifestação.

(Foto: Divulgação)

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