Copa do Mundo: até nos ‘celeiros de craques’ os ingressos são “sonho distante”

(Por: JB)

Rio de Janeiro – Sem dinheiro para comprar ingressos, comunidades dos craques vão assistir os jogos pela TV.

No singelo campo de futebol da Rua Teixeira de Freitas, no bairro do Fonseca, em Niterói, Rio de Janeiro, um grupo de meninos se reúne frequentemente para jogar futebol, incentivados pelo ex-jogador do Fluminense, João Carlos dos Santos, o Cacá e sob os olhares atentos dos moradores. Na comunidade do Jacarezinho, Zona Norte da cidade, um projeto esportivo é a maior alegria e orgulho da população, por apoiar a educação dos jovens através do futebol. Em outra comunidade carioca, a Vila Cruzeiro, a população supera os recentes problemas da violência planejando um campeonato interno de futebol.

Com dramas e histórias de vida semelhantes, essas comunidades carentes têm, pelo menos, três características em comum: delas despontaram grandes craques do futebol internacional – Edmundo (Fonseca), Romário (Jacarezinho) e Adriano (Vila Cruzeiro); a população é apaixonada por esse esporte; e nenhum dos seus moradores vai assistir às partidas da Copa do Mundo no Brasil, a partir de junho. “Quem vai trocar o seu arroz e feijão por um ingresso da Copa? A Fifa colocou os preços altos demais para a realidade do brasileiro e, pelo jeito, só quem vai assistir aos jogos são os homens de gravata. Isso é uma injustiça, porque a gente rala o ano inteiro e não dá para gastar o nosso pouco dinheiro com um ingresso de futebol”, disse o morador da comunidade do Jacarezinho, Sebastião de Souza, de 60 anos.

O pequeno barraco onde Sebastião reside fica em frente ao Campo do Abóbora, ponto de encontro dos jovens do Jacarezinho nos momentos de lazer. Ele assiste sempre empolgado a cada partida de futebol supervisionada pelo ex-jogador do Botafogo, Maurício de Oliveira, autor do gol antológico que deu ao time o título do Campeonato Estadual de 1989. A logomarca do Botafogo estampada na fachada da sua casa, já revela o fanatismo de Sebastião pelo futebol. “Seria um sonho assistir a um jogo da Copa do Mundo, especialmente acompanhado pela minha esposa. Faria fotos para mostrar mais tarde para o meu neto, que vai nascer esse ano. Com certeza ele também vai gostar de futebol. Mas quando penso que um ingresso mais barato custa mais de R$ 200, desisto. Além disso, a população nem sabe como comprar esses ingressos. É complicado”, afirmou o morador.

Na opinião de Maurício Oliveira, a atual conjuntura do país não é favorável à realização dos grandes eventos mundiais. A nação está desanimada com a crescente onda de violência urbana e a inflação, o que causa reflexo na recepção dos megaeventos, segundo o ex-jogador. “A Copa será o cartão de visita para outros eventos já anunciados, como as Olimpíadas. É, então, preocupante ver as manifestações que estão acontecendo no país em função dos altos preços dos ingressos da Copa e a falta de infraestrutura urbana, no Rio de Janeiro, por exemplo”, ressaltou o ex-esportista.

Maurício dirige um projeto, o Craque do Futuro, desde o ano de 2000 no Jacarezinho, que tem como meta incentivar os jovens da comunidade a estudar usando como trunfo as partidas de futebol. “Aqui só ingressa no programa quem apresenta o boletim escolar”, explica ele. Em contato quase que diário com esses meninos, Maurício percebeu a importância deles cruzarem as fronteiras da comunidade para presenciar outras realidades, como aconteceu na Copa Zico, que levou talentos do Jacarezinho para a Austrália, e agora na Copa das Favelas. Para o ex-jogador, a Copa do Mundo seria uma excelente oportunidade para eles assistirem a um fato histórico e ligado ao que eles praticam. “Já que grandes empresas patrocinadoras da Copa têm a posse de ingressos, uma boa sugestão é elas promoverem um sorteio com os participantes desses projetos no Rio”, disse Maurício.

Principal incentivador e referência dos projetos esportivos na comunidade do Jacarezinho, o morador José Neves acredita que a Copa do Mundo deveria ser mais acessível à população e, principalmente, aos jovens, que passariam a ter uma paixão ainda maior pelo futebol. “E os meninos que praticam o futebol não tem tempo para pensar em coisa ruim. Tem um futuro mais seguro e um caminho aberto”, esclarece José Neves. A opinião é compartilhada com o ex-jogador Osmar de Souza Nunes, que treina um grupo de meninos na Vila Cruzeiro, onde até hoje é comum “cruzar” com o craque Adriano pelas ruas da comunidade. O menino Jorge Sousa, de 12 anos, é um dos alunos de Osmar e, como os outros amiguinhos, tem o sonho de ver a “Taça” de um estádio – “e não através da televisão”, como ele mesmo define. “Para mim, seria uma grande alegria ver um jogo da Copa do Mundo aqui no Brasil. Um sonho, um sonho. Mas, vou ver pela televisão mesmo, não posso deixar de assistir o Brasil”, diz Jorge, desanimado por não ter em mãos um ingresso para o torneio mundial. “A mãe dele ganha muito pouco para comprar um ingresso tão caro. Infelizmente, vai ficar a frustração deles dois em não assistir a Copa no estádio”, disse a avó de Jorge, Marinete de Sousa, de 62 anos, se referindo ao menino e à sua prima, Marcele Sousa, de 10 anos, também apaixonada por futebol e jogadora de um time da comunidade.

Luciana de Jesus também é moradora da Vila Cruzeiro e acha um absurdo os preços anunciados pela Fifa para as partidas da Copa no Brasil. “O meu filho de 12 anos adora futebol e sempre jogo nos fins de semana com os amiguinhos, se eu pudesse levaria para ele assistir um jogo da Copa, mas não dá por causa dos preços altos”, disse ela. Para outra moradora, Glece Coelho, os valores dos bilhetes deveriam acompanhar o salário mínimo do país. “Como uma pessoa que ganha um salário mínimo vai comprar um ingresso tão caro? Deixar de comer para assistir uma partida de futebol? Essa ‘paixão nacional’ ficou muito cara, fora da realidade brasileira”, disse ela. O servente de obras, Alex Moura, de 29 anos, nem procurou saber os procedimentos para comprar o ingresso para a Copa do Mundo. “Quando eu ouvir os preços dos ingressos, desisti. E todo mundo também está comentando que é difícil conseguir comprar os ingressos”, contou ele. Alex vai assistir as partidas pela televisão e, enquanto junho não chega, ele vai pisar no campo da Vila Cruzeiro para representar o seu time no Campeonato da comunidade.

Como comprar um bilhete para a Copa do Mundo representa um sonho distante para a maioria dos brasileiros, as comemorações populares prometem mudar o cenário nas cidades, que devem receber as tradicionais pinturas e os apetrechos verde e amarelo. Assim será na Rua Teixeira de Freitas, no bairro Fonseca, onde nasceu e cresceu o “galinha molhada”. “O apelido do Edmundo aqui no Fonseca era ‘galinha molhada’, porque ele molhava o cabelo antes de entrar na partida. Até hoje ele é uma referência de personalidade que saiu daqui. E a garotada da rua continua fã do futebol. Mas todo mundo está desaminado com essa Copa, porque os ingressos estão fora da realidade nacional e já percebemos que será um evento apenas para turistas”, disse o morador Cláudio da Cunha, de 48 anos. Para o comerciante Orlando Machado Peçanha, sobrinho do ex-jogador Orlando Peçanha, uma das estrelas do futebol brasileiro na Copa de 58, a Fifa tinha que, antes de estabelecer os preços das entradas, pesquisar a média de salário do brasileiro, já que o torneio será realizado no Brasil. “O que temos agora é uma Copa para estrangeiros. O para que serve o brasileiro? Somente para servir como força de trabalho? Essa Copa é para não comemorar”, disse Orlando.

Jansen Carvalho, presidente da Associação de Moradores da Teixeira de Freitas, adiantou os preparativos da Copa para as comemorações do Carnaval. “Como ninguém vai conseguir comprar ingressos e ver de perto os jogos, vamos fazer a nossa festa aqui mesmo na rua e desde o carnaval. Até criamos uma camiseta personalizada para o carnaval, usando o tema Copa do Mundo.”, revelou Jansen.

O ex-jogador do Fluminense, João Carlos dos Santos, também foi morador da Teixeira de Freitas e até hoje vai na comunidade jogar bola com a garotada. Ele ressalta que os ingressos da Copa estão nas mãos de grandes empresas, que agora vão fazer uma loteria com as entradas. “Quem tiver sorte, leva! Só assim”, disse o ex-jogador.

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