‘Confiava na minha pistola e em minhas balas dunduns, agora confio em Deus’, diz ex-detento

Portão principal do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), Manaus Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O maior presente que o ser-humano pode ter é sua liberdade, e eu estava privado disso

“Meu primeiro delito foi aos 16 anos, o furto de um porta-cd. Depois, passei a fazer coisas horríveis, saidinha de banco, a traficar, a matar e eu sentia prazer e medo. Me arrependo por todas as coisas de errado que fiz nos 10 anos que vivi no crime. Hoje, a empatia entrou na minha vida de forma inexplicável”.

Esse é o relato de *Moacir, ex-detento de uma cadeia pública de Manaus, um testemunho de superação por meio do qual ele deixa claro que o crime não compensa. Hoje, ele luta para se reintegrar à sociedade. Confira o depoimento.

“Primeiramente, deixo claro que a minha mudança não veio através das minhas prisões. Eu seria hipócrita e um fingido de falar que a cadeia muda alguém. Quem passou por essa experiência catastrófica de viver em um presídio sabe que ele não muda ninguém.

No presídio, você entra com seu ensino fundamental e sai de lá com diploma de faculdade formado em bandido, em assaltante, matador.  A minha mudança veio através de Jesus Cristo, por meio de um Encontro no qual descobri o verdadeiro poder do perdão. Sei que Ele me perdoou, porque pedi perdão de uma forma completa, verdadeira, com palavras e atos.

Eu fazia parte de uma facção criminosa. A ideia que temos é de que quem manda na cidade é o crime, ‘eles’ decidem quem vive e quem morre. Há poucos dias, observei o vídeo de um assaltante roubando na zona Sul de Manaus. No outro dia, ele estava sendo julgado no tribunal do crime.

A polícia não pegou o assaltante, mas o crime sim.  O efetivo das corporações é inferior ao exército de mais de 30 mil soldados do crime organizado.

Como tudo começou

Meu primeiro delito foi aos 16 anos para imitar meu melhor amigo, uma pessoa a quem eu admirava. Não creio que ele tenha me influenciado pois acredito que você só entra nessa vida se quiser. É uma opção sua. Tem o livre arbítrio. Optei pelo caminho errado.

Passei a fazer coisas horríveis…furtar, saidinha de banco, traficar, matar, e eu sentia prazer e medo. Prazer porque eu poderia comprar a roupa que quisesse, andar onde queria, mobiliar a minha casa… por outro lado, medo, porque quem vive no mundo do crime não tem paz. Você sabe das regalias, mas também sabe que a qualquer momento aquilo ali pode acabar, você pode ir preso, pode morrer.

A vida no crime e o arrependimento

Me arrependo por todas as coisas de errado que fiz nos 10 anos que vivi no crime. Hoje, a empatia entrou na minha vida de forma inexplicável. Analiso o fato de uma pessoa sair para trabalhar cedo, ter uma dura rotina para querer dar o melhor para a família e vem alguém e toma. Eu me entristeço.

Também me arrependo das vidas que ceifei. Olho para meus filhos correndo no quintal, me abraçando, chorando por mim, me chamando de pai e fico imaginando as vidas que tirei, como ficaram os filhos daquelas pessoas chorando pelo pai e o pai não vai voltar nunca mais.  Penso na mãe que carregou o filho por nove meses…

Outro arrependimento é a droga. A pessoa passava o dia se vendendo, fazia programa para comprar droga comigo. Outras traziam comida da sua casa para trocar pela droga, roubavam… Hoje, tenho raiva dessa droga que destrói famílias, me arrependo de verdade. Enterrei esses pecados e não mais farei novamente. Eu sepultei esses delitos.

No presídio

No presídio, tive uma vida de rei… …farinha láctea, frango assado, peixe frito… Passei poucos meses. Ao chegar lá, fiquei no quadrante (um espaço com sinuca) e, no momento que subi da triagem para o quadrante, encontrei o sobrinho do líder da facção no 1, e já nos conhecíamos do Dagmar Feitosa. Foi um encontro, depois de muitos anos. Tive muitas regalias.

No dia da minha saída, peguei um moto-táxi. Lembro que ganhei uma bíblia e a levei para casa. Ao chegar, vivi a alegria de ver minha filha recém-nascida, ainda carequinha. Por mais que eu tivesse regalias na cadeia, o maior presente que o ser-humano pode ter é sua liberdade. E estava privado disso.

Um novo começo

Aprendi com a minha vida que a melhor coisa que existe é o ser-humano viver honestamente, fazer o que é certo. Hoje, paro para observar, vejo minha família, tios, primos, o quanto eles lutaram para conquistar algo e conseguiram alcançar os objetivos. Daí penso o quanto perdi tempo.

Enquanto eu fazia coisas erradas, eles estavam ali dando duro, acordando cedo, pegando ônibus lotado, estudando para ser alguém na vida. E eu? Com 34 anos, não tenho uma profissão ainda.

Se eu pudesse voltar ao tempo, faria tudo diferente, um novo começo, mas, como não posso, estou dando um novo fim à minha vida, vivendo honestamente, fazendo coisas boas, coisas extraordinárias.

Por mais errado que você seja, Deus perdoa. Hoje, posso colocar minha cabeça no travesseiro e dormir de consciência tranquila. Ao ouvir os cachorros latindo já não pulo da cama e penso que é a polícia vindo atrás de mim. Tenho paz internamente.

O preconceito

A cosmovisão da sociedade é de que a pessoa nunca vai mudar. Tive uma experiência atual. Fui a uma rua onde trafiquei por anos, daí as pessoas me cumprimentavam, mas pareciam estar com medo de mim, pois sabiam como eu era. Isso me entristece. Por que nunca acreditam que podemos mudar?

Elas sabiam que eu havia parado de traficar, mas, mesmo assim, elas não acreditam, estavam com medo de mim. Será que nunca vão acreditar na minha mudança? O que me encoraja é minha consciência para com Deus, a sinceridade que há em mim e que Deus conhece. Todos temos a oportunidade de consertarmos os nossos erros.

A confiança em Deus

Ainda tenho medo das coisas que fiz anteriormente, de encontrar alguém que não goste de mim e me faça mal.  Mas, a minha confiança está em Jesus.

Antes, eu confiava na minha pistola, no meu 38, nas minhas balas dunduns que eu encomendava, achava que aquilo ali era a minha proteção, mas hoje vejo que, se não fosse Deus na minha vida me dando um livramento, de nada adiantava, nada daquelas coisas …

Nunca é tarde para recomeçarmos. E às pessoas que acham que nunca poderão sair da vida do crime peço que não desistam, que elas venham a acreditar nelas. Eu sou uma prova viva disso porque eu mudei, deixei tudo para atrás, achava que eu não ia conseguir, achava que era impossível, como eu ia me libertar dessa vida? Quero dizer que todos são capazes de mudar e chegar aonde quiserem.

Eu tenho um sonho, tenho sonho de me formar, de fazer uma faculdade de Gastronomia. Estou estudando em casa, ganhei um computador. Estou batendo firme para fazer o supletivo e creio que futuramente eu vou alcançar o meu objetivo.

O juiz não nasce sabendo, o advogado não…o médico não nasce sabendo. Se as pessoas conseguiram, por que eu não vou conseguir? Você mesmo faz o seu caminho. O que você faz hoje, reflete no amanhã.

Creio que, através dessa minha história, pessoas vão ser tocadas e voltar a sorrir. Agradeço a Deus por essa rica oportunidade de estar compartilhando o que Ele fez na minha vida. Não desista de você!”.

*o nome verdadeiro foi mudado para preservar a identidade.

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