CRÔNICA
Uma casa. 07 crianças. Um carro capotado. E um grito de clamor: está faltando um!
Era uma manhã ensolarada, propícia para expor as roupas no varal e deixar a casa com aquele aroma de limpeza. Nesse dia, sete crianças brincavam aos cuidados da tia/mãe que, entre um afazer e outro, chamava-lhes a atenção. “Parem de correr que vocês vão se machucar”. Nem de longe se imaginava que aquele dia comum se transformaria em um episódio angustiante, do tipo seria cômico se não fosse trágico.
Essa casa era pequena, mas tinha um pátio grande e um corredor que o ligava ao quintal, palco perfeito para as crianças gastarem as energias. Ela ficava em uma curva e tinha acesso por uma escada já que o terreno ficava nivelado abaixo da rua. Não tinha muro. Essa informação é importante pois isso favoreceu o cenário que agora vou descrever.
Entre uma brincadeira e outra, havia a manja-esconde. Uma das crianças, de cara pra parede, contando até 10. As outras desesperadas buscando um espaço para não serem encontradas. A tia envolvida com os afazeres domésticos.
De repente, aquele estrondo, difícil de definir para quem não estava lá. Mas, gritos desesperados, batida de carro, de vidro quebrado, barulho de motor. E, do nada, o silêncio.
A visão que se revelou à frente da tia: um carro capotado exatamente no pátio que era palco das brincadeiras. As rodas ainda girando. O desespero tomou conta. De repente, iniciou a contagem, não da manja-esconde, mas das crianças que estavam sob a sua guarda. Do fundo da alma e de modo que o bairro inteiro ouvisse, ecoou aquele grito de clamor: “está faltando um!!” Ela ali correndo desesperada repetindo essa frase. Mais ainda, com medo de olhar embaixo do carro e encontrar esse corpo tão procurado.
Cheiro de gasolina. Pessoas machucadas. Uma mulher gritava: cadê o braço da minha filha? Isso só piorou o cenário de terror. Pessoas se acumulavam. Umas tentando ajudar, outras alimentando o seu tanus, num deleite em ver aquela cena e o desespero das duas. No carro, o motorista, um homem no banco da frente, uma mulher e uma adolescente atrás. “Cadê o braço da minha filha?”- a mulher dizia com dor no coração e fala mansa com medo de encarar uma realidade que só existia na cabeça dela.
Aos poucos, um a um foram retirados. A gasolina derramando escorria pelo pátio e lavava a roupa de alguns ocupantes daquele veículo de pernas pro ar. A tia continuava afirmando que estava faltando um. E a ocupante do carro continuava gritando pelo braço da filha.
A menina saiu do carro ilesa, ou pelo menos com o braço no devido lugar. Todos reuniram esforços para levantar o veículo e constatar aquela remota mas trágica hipótese imaginada pela tia. Está faltando um (choro desesperado e quase silenciado pela falta de forças). As pernas já não a mantinham em pé. O rosto transfigurado evitava o confronto com o veículo, assim então desviava o olhar.
Desespero, curiosidade, dor e aquele grito de clamor. Ao mesmo tempo em que forças se uniram para levantar o carro e, de uma vez por todas, solucionar esse conflito, o Um que estava faltando surge de dentro da casa, indiferente a toda aquela situação, cansado de estar escondido e ninguém o encontrar. “Tu tá ficando doido?” – a tia que era mãe grita desesperada, e, num abraço apertado, embora sem forças, suspira o agradecimento a Deus por aquele livramento.
Foi a primeira vez que ouvi falar que a manja-esconde salvou 7 crianças. Quanto aos ocupantes do veículo, entre nenhum morto e alguns feridos, salvaram-se todos. O barulho da sirene já anunciava a chegada da ambulância. E um guincho já estava a caminho para remover aquele carro do local. O cenário foi sendo desmontado. Nesse momento, muitos curiosos partiram para suas casas com essa história para contar. E, durante muito tempo, o que se ouvia nos quatro cantos do bairro era que: está faltando um!
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