Trabalho escravo é constatado em barcos de pesca no interior do AM

Amazonianarede – Ascom SRTE

Codajás,AM – A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego resgatou doze trabalhadores em situação análoga a escravidão em barcos, sobretudo pesqueiros, localizados nas proximidades da cidade de Codajás, a 450km de Manaus (AM). A ação, inédita na atividade de pesca, foi planejada durante dois meses.

A ação envolveu cinco auditores-fiscais do Trabalho de diferentes regiões do país. Com indícios de trabalho degradante da pesca, o grupo percorreu o Rio Solimões de Manaus a Codajás, com o apoio da Polícia Militar Ambiental do Amazonas, que disponibilizou contingente e duas embarcações – um barco base e uma lancha de operação tática.

Atualmente, o artigo 149 do Código Penal cita quatro condutas que, independentes entre si, tipificam o trabalho em condições análogas à escravidão. São elas: trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e servidão por dívida.

Em um dos barcos, foram configurados a jornada exaustiva e realizado em condição degradante. Neste, o Princesa de Coari, foram resgatados cinco trabalhadores. Já na embarcação Israel I, foi caracterizado o trabalhado degradante, com remuneração abaixo do salário mínimo, e o resgate foi de quatro trabalhadores.

O terceiro caso ocorreu em uma embarcação de transporte ilegal de madeira. Nela, havia três trabalhadores em situação degradante (sem água potável, chuveiro, comendo no chão e na mesma panela).

Há uma preocupação do MTE em garantir condições mínimas de segurança e saúde a serem seguidas no trabalho realizado em todas as embarcações pesqueiras. O leigo costuma associar o conceito de pesca artesanal à pesca de subsistência, que é pesca não comercial, face aos meios e mecanismos de pesca empregados, que às vezes, podem ser semelhantes. A pesca, entretanto, mesmo nos casos em que estejam presentes os requisitos que a caracterizem como artesanal, deve obedecer às normas de segurança e saúde, em especial o anexo I da Norma Regulamentadora 30 – NR 30, no que couber, para as embarcações menores que 12 metros ou com arqueação bruta inferior a 10AB, e necessariamente nas embarcações acima das referidas medidas.

A falta de condições de “trabalho degradante”, ou seja, do trabalho realizado com amparo legal e em local e condições que preservem a saúde e segurança do trabalhador, pode, em casos mais graves, ser considerada crime e estar ligado ao trabalho análogo à escravidão, com sanções rigorosas, como a prisão dos proprietários das embarcações.

O resultado é fruto do planejamento traçado pela Coordenação Nacional de Inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário, pertencente à Secretaria de Inspeção do Trabalho (MTE). Com o objetivo de melhorar as condições de trabalho na pesca, foram realizadas três operações móveis neste ano, incluindo um intercâmbio com o Ministério do Trabalho da Espanha.

Trabalhadores recebiam cerca de R$ 200 por mês

No primeiro barco em que houve o resgate, a embarcação PRINCESA DE COARI, o dono do barco, conforme relatado pelos trabalhadores, transfere a responsabilidade pela armação do barco, em outras palavras, a aquisição de combustível, gelo, redes de pesca e víveres necessários para a realização da viagem aos próprios pescadores, obrigados a se endividar em estabelecimentos comerciais da região, e, ao fim da viagem, quitam o compromisso assumido com os comerciantes ou ficam em débito a ser saldado em viagens futuras, com a total transferência dos riscos da atividade econômica.

O trabalho realizado pelos obreiros consiste na pesca de peixes diversos da região e a venda posterior diretamente ou para pessoas que atuam como intermediários no mercado local ou na cidade de Manaus(AM). Os trabalhadores não possuíam contratos de trabalho anotados em Livro ou Ficha de Registro de Empregados nem nas carteiras de trabalho e previdência social – CTPS, o Comandante da Embarcação, senhor HOTON PORTO BATISTA, não possuía habilitação da Autoridade Marítima.

Segundo relatado pelos trabalhadores, nos termos de declaração prestados pelos obreiros, as jornadas de trabalho mostram-se exaustivas e, em regra, começam às seis horas da manhã ou até mais cedo e segue o dia todo e pode se estender ou mesmo passar da meia-noite, enquanto houver possibilidade de pesca, dependendo da localização de cardumes e quantidade de peixes capturados. O trabalho é desenvolvido em canoas com diversos deslocamentos entre o local de captura do pescado e o barco principal onde são armazenados os peixes nos compartimentos frigoríficos. A jornada mostra-se excessiva também nos trabalhos desenvolvidos na própria embarcação, com mais de dez horas de trabalho.

O barco principal não possui as condições mínimas de conforto, higiene e segurança, com a cozinha pequena e suja, com o botijão de gás na parte interna da embarcação, sem local para armazenar os alimentos, com a instalação sanitária entupida, sem local adequado para a realização das refeições, sem possuir botes, coletes e bóias salva-vidas, não possui extintores de incêndio na casa de máquinas e no convés; a água consumida pelos trabalhadores, utilizada para beber, higiene pessoal e preparação das refeições é coletada no próprio Rio Solimões, sem comprovação de sua potabilidade.

Havia no barco cerca de 1,5t de pescado, foram resgatados cinco trabalhadores e afastado um menor de 15 anos.

Jornada exaustiva no barco “Princesa de Coari”

Os trabalhadores declararam espontaneamente que durante o trajeto do barco base a jornada de trabalho se estende, no mínimo, por 12 horas por dia e que durante o exercício da atividade de captura do pescado, propriamente dita, a jornada de trabalho pode se estender por até 24 horas ininterruptamente. isto ocorre, principalmente, quando as canoas utilizadas na captura encontram um grande cardume, ocasião em que se deslocam várias vezes desse local até o ponto onde o barco base (Princesa de Coari) fica fundeado. a jornada exaustiva põe em risco a segurança do trabalhador que, em virtude das condições de trabalho e do esgotamento físico, potencializam o risco do acidente de trabalho.

Barco Israel I

A mesma situação foi encontrada no barco “ISRAEL I”, onde um banheiro estava servindo de armário, não havia água potável a bordo e os empregados ganhavam menos de R$ 500 por mês. Nesta embarcação foram resgatados quatro trabalhadores, inclusive um menor de 16 anos.

Os trabalhadores foram acompanhados até a capital do Amazonas, quando as embarcações, sem documento algum, serão entregues à Capitania dos Portos. Já os trabalhadores receberão CTPS com anotação e rescisão do vínculo empregatício, além de seguro desemprego. Há ainda negociação para pagamento das verbas rescisórias por parte do empregador.

“Parceria” é utilizada ilicitamente na pesca como substituta do registro em CTPS

A “parceria” é mencionada por muitos pescadores como o elemento substitutivo da anotação de carteira e ocorre quase sempre da mesma forma: aquele que possui mais recursos recruta outros pescadores e, após a venda do pescado, o lucro ou prejuízo obtidos são repartidos, de forma sempre desigual entre os pescadores.

Desta forma, o risco do negócio é passado do empregador para o empregado.

Embora haja previsão legal da parceria na Lei da Pesca, não há regulamentação de como ela seria desenvolvida. O certo é, para a fiscalização do trabalho, que a parceria não pode ser substitutiva do contrato de trabalho. Assim, independentemente do porte de embarcação, a fiscalização do trabalho continuará se guiando pelo contrato realidade e pelos elementos caracterizadores do vínculo empregatício, elencados no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.

Embarcações também foram interditadas pela fiscalização do MTE.

(Por:Gisele Rodrigues)

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