A floresta que não conhecemos

Entrevista como pesquisador Adrian Barnett
Entrevista como pesquisador Adrian Barnett
Entrevista com o pesquisador Adrian Barnett

Amazonia – O desmatamento da Floresta Amazônica é um dos principais problemas ambientais do mundo em função de sua importância para o Meio Ambiente. Este desmatamento causa extinção de espécies vegetais ou animais, trazendo danos irreparáveis ao ecossistema.

Bacharel em Zoologia; mestre em Ecologia e doutor PhD em Antropologia Biológica pela RoehamptonUniversity,  no Reino Unido Pesquisador do Programa de Capacitação Institucional do CNPq e pesquisador colaborador da Roehampton University, Co-fundador e membro do comitê executivo – Pitheciine Action Group (PAG). Fundador do projeto de pesquisas ‘Igapó Study Project’ (ISP). Professor credenciado na coordenação de Ecologia e docente permanente no setor de botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adrian Paul Ashton Barnett, recebeu a Agência FAPEAM de notícias para explicar mais sobre a Amazônia. “É comum pensar que a Amazônia é uma entidade que nunca mudou, persistindo por milênios sem trocas. Mas sabemos agora que, durante os milhões de anos, a Amazônia enfrentou muitas mudanças no clima, extensão e na composição de sua fauna e flora”, disse.

Confira a entrevista completa com pesquisador Adrian Barnett

 

Agência FAPEAM – Como o senhor avalia a ecologia tropical da Amazônia de antes e de hoje?

Adrian Barnett – Ao longo dos anos, algumas espécies enfrentaram enormes mudanças: no clima, na comida disponível, seus predadores, competidores, e em vários casos no tamanho de sua população. A maioria das espécies que podemos ver na Amazônia de hoje, são sobreviventes de inúmeros eventos catastróficos. Só que como bem sabemos, eles puderam sobreviver a todas as mudanças no Mioceno e Pleistoceno, mas agora no Antropoceno, as coisas são muito mais incertas. Não por causa da universalidade das mudanças, claro o clima sempre vai dar efeitos amplos, mas por causa de sua velocidade. É assustador para mim, pensar que se fosse possível colocar alguns dos exploradores do século passado como, Humboldt, la Condamine, Bates, Spruce e Wallace aqui na Amazônia, as mudanças, com certeza dariam muito susto a eles. É importante lembrar que a maioria das mudanças, com a redução da extensão da floresta na Amazônia, aconteceu ao longo das últimas seis décadas, e isso em termos ecológicos é muito rápido. Isso não quer dizer que anteriormente não houve mudanças, porque sabemos que tivemos impactos enormes de caça com as populações de tartarugas e de macacos, em algumas áreas por exemplo, e também a exploração predatória de árvores de pau rosa. Mas, no mínimo essas explorações deixaram intactos os habitats atuais.

problema agora é a velocidade e extensão de trocas, que tiram totalmente a cobertura natural da vegetação amazônica. Mas, quando muitas das árvores podem viver por séculos, é preciso 100 anos para chegar à maturidade reprodutiva, os 60 anos que durante essas mudanças acontecem, parece como um piscar de olhos. As espécies adaptadas à floresta, não tem como mudar com a velocidade requerida. Claro que naturalmente existem clareiras na floresta – mas a escala agora é fora do normal para a natureza. Por isso é que agora os ornitólogos estão registrando pela primeira vez muitas espécies de pássaros que antes estiveram vivendo só no sul, em habitats mais abertos e secos. Estamos criando agora novas oportunidades para eles aqui.

AF – Quais os estudos realizados atualmente pelo senhor e sua equipe sobre os processos e interações ecológicas na estrutura da floresta Amazônica?

Adrian Barnett – Estamos investigando os igapós no Rio Negro. Na terra firme, a maioria de árvores usam pássaros e mamíferos, como os macacos, para dispersar suas sementes, mas no igapó, a maioria das espécies de árvores usam água ou peixes para isso. Isso é porque as florestas de igapó recebem esse pulso anual de inundações, e eles usam isso como adaptações únicas e especiais. Consequentemente, eles também têm um pulso concentrado na produção de frutos. Lá estamos investigando a ecologia de mamíferos e pássaros. Como eles comem os frutos, porque eles escolhem alguns e rejeitam outros, mesmo quando os que não estão sendo comidos são muito mais comuns do que os que os animais escolhem para se alimentarem. Estamos fazendo isso por alguns anos agora e, trabalhando especialmente com o uacari-de-costas-douradas (Cacajao ouakary). Descobrimos muitas coisas fascinantes, por exemplo, por que eles preferencialmente escolhem frutos infestados com larvas de besouros, porque é uma fonte de proteína, e frutos não têm muitas proteínas; como quando eles estão mordendo as superfícies de frutos duros, eles sempre mordem as partes mais frágeis para salvar energia e para não correr o risco de quebrar seus dentes.

A floresta amazônica, que ninguém conhece
A floresta amazônica, que ninguém conhece

Ao contrario da maioria de macacos que funcionam como bons dispersadores de sementes, comendo a parte mole de um fruto maduro e jogando fora a semente, os uacaris-de-costas-douradas são famosos por seu consumo de sementes imaduras, eles são predadores de sementes, matadores dos bebês de árvores. Ecólogos sempre os consideraram assim, mas agora descobrimos que eles também são dispersadores de sementes, não nas fezes, mas por causa de sementes que caem fora dos frutos imaduros que eles estão comendo e, depois chegando ao chão, vão madurecer e depois germinar. Isso é novo. Também descobrimos que a presença de formigas em algumas árvores vai desencorajar os macacos e papagaios a visitá-los. Isso quer dizer que, se você vir uma árvore cheia de frutos, isso não está indicando que é um banquete esperando os convidados chegarem e os macacos tem muita comida disponível, mas que essa árvore não está disponível para ser usada. É exatamente esse tipo de coisa não intuitivo que para mim é uma parte da grande fascinação com ecologia.

AF – O senhor tem algum interesse especial na Floresta Amazônica?

Adrian Barnett – Eu tenho um interesse especial nas interações entre plantas e animais, especialmente nas florestas de igapó. Florestas tropicais sazonalmente inundadas por água doce existem em outras partes do mundo, mas elas chegam a sua extensão máxima na Amazônia. As florestas inundadas, a várzea e igapó, são habitats mágicos em muitos aspectos. As flutuações em níveis de agua ao longo do ano dificultam trabalhos científicos, deixando-os difíceis de aplicar as metodologias feitas em terra firme. Porem, eles ainda são comparativamente pouco conhecidos cientificamente e isso é preocupante, porque eles são importantes para pescaria (muitas espécies vivem nesse habitat como adultos e se criam lá no estado juvenil) e para peixes ornamentais. Também eles servem bem para a preservação das margens contra a erosão. Juntos, as várzeas e igapós constituem 20% da superfície da Amazônia, mas eles recebem menos de 20% do esforço da pesquisa.

AF – Qual ou quais os temas mais abordados e mais preocupantes, referentes à ecologia da floresta tropical?

Adrian Barnett – A maioria das espécies de plantas e animais da Amazônia já sobreviveram há vários ciclos de mudanças climáticas, porém e bem provável que eles tenham as capacidades fisiológicas e comportamentais adequadas para adaptarem-se a mudanças de novo, mas depende de sua velocidade e extensão. Temos bons exemplos, com as árvores em igapó. Nos últimos anos, quase não tivemos uma enchente. Ecólogos estiveram preocupados que muitas árvores que vivem na parte do igapó mais próximo da terra firme morreriam por causa do estresse associado com a ausência de água. Mas isso não aconteceu. Porque toda a espécie de árvores em igapós tem suas origens evolutivas em terra firme. Porém, quando chegou uma ausência de água, elas simplesmente se ligam a série de genes ancestrais e conseguem se adaptar as novas condições temporárias.

AF – O que aconteceria se nunca mais tivesse inundações sazonais?

Adrian Barnett – No igapó, as partes mais próximas da terra firme podem ser inundadas por 4 ou 5 meses. Mas nas partes, mas próximas dos rios, as árvores podem ficar inundadas por até nove meses a cada ano. O fato de serem inundadas por tanto tempo, é extraordinariamente estressante para uma árvore, e elas crescem somente durante a época do ano em que elas não têm seus pés encobertos pela água. Elas crescem muito lentamente, e é possível registrar isso com amostras da madeira, perfurando o tronco e olhando as linhas na madeira, que vai indicar os crescimentos anuais dos indivíduos. Usando isso é possível condizer o crescimento com os níveis e durações de inundação ao longo dos anos. As analises mostraram que, se chegar uma enchente prolongada por 10, 11 meses, às árvores sobreviverão, mas precisarão de três ou quatro anos para se recuperarem.

AF – Há algum estudo ou pesquisa relacionada à prevenção, para não se abolir tais árvores já castigadas por tantas inundações? Fato que ocorre todos os anos na Amazônia!

Adrian Barnett – A coisa interessante e preocupante também é que agora pesquisadores no Inpa estão registrando mortes simultâneas de árvores de uma variedade de idades. Porque elas não têm capacidade de enfrentar duas ou três enchentes prolongadas acontecendo tão rapidamente, uma atrás da outra como vivenciamos na ultima década. Árvores de araparí ou macacaricuia, que já enfrentou tudo o que a natureza jogou neles por 500 ou mil anos (eles tem vida muito prolongada), agora estão morrendo por causa de eventos concentrados em três ou quatro anos que nunca aconteceu antes em suas longas vidas. E essas árvores são enormes, parecem tão fortes e são espécies chaves para seus ecossistemas, fornecendo alimentos para vários animais, via pólen e néctar em suas flores e via sementes, abrigos e dormitórios para morcegos e muitas outras espécies.

AF – Quais suas impressões sobre este processo?

Adrian Barnett – Ainda somos ignorantes sobre qual vai ser o efeito dominó se essas espécies desaparecerem ou ficarem criticamente reduzidas em população. Estamos certos que os efeitos acontecerão, mas especialmente no igapó, não estamos certo como eles funcionarão.  Mas também é preocupante que a situação no igapó não é especial.  Temos vários habitats onde nossa ignorância é vasta, e isso é especialmente a verdade em áreas não tão visíveis, como nos ecossistemas aquáticos.

Igapó, é a floresta na cheia
Igapó, é a floresta na cheia

A Amazônia tem a fauna de peixes de água doce a mais complexa e rica do mundo inteiro. Em um igarapé perto de Manaus, os pesquisadores do INPA descobriram novas espécies de peixes, um número bem maior do que os peixes que existem em todos os rios da Europa. No Tapajós, tem espécies de peixes que vivem em uma cachoeira, somente numa pequena área de rochas 100m x 10m. Nas árvores existem comunidades complexas e fascinantes nas fitotelmatas (habitats naturais em tronco de árvores que acumulam água e servem de criadouro para uma diversificada fauna e flora), e quase não sabemos nada sobre a ecologia deles, nem sobre a copa em geral. Algumas pontes, torres e guindastes estão nos permitindo ganhar vislumbres da ecologia, mas nada a permitir uma visão geral necessária para falar sobre o que é necessário para sua conservação efetiva. E a coisa pior, que é bem provável que a maioria das interações serão igualmente complexas do que as que registramos com os uacaris-de-costas-douradas, ou talvez mais complexas e sutis.

AF – Com vasta experiência na área, o senhor já esteve em várias florestas pelo mundo, o que a floresta amazônica tem em especial quanto ao ecossistema e campo de estudo?

Adrian Barnett – Se você for para outras florestas tropicais, você vai perceber rapidamente que a Amazônia é notavelmente rica em pássaros, em todas as partes da floresta e epífitas na copa das árvores, especialmente de bromélias e cactos, grupos que com a exceção de duas espécies de cactos na África oeste, não existe longe das florestas neotropicais. Também há um grande número de espécies de plantas usando beija-flores como seus polinizadores. Beija-flores também não existem longe das Américas e eles são muito importantes ecologicamente. Também, claro, por causa das preferencias desses pássaros das cores de laranja e vermelho, nos beneficiaríamos esteticamente. Temos outros habitats únicos e especiais também, as campinas, por exemplo, áreas ricas que sobrevivem nos solos mais pobres imagináveis. Com tantas espécies endêmicas e com adaptações fisiológicas que podem ser usadas para os benefícios da agricultura em muitos lugares do mundo.

Vitória-Régia, a rainha dos igapós na Amazônia
Vitória-Régia, a rainha dos igapós na Amazônia

As plantas e os animais associados que moram em solos acima de rochas ricas em minérios de ferro. Eles são super – especializados, e muito ameaçados pela mineração em algumas áreas.  Sempre celebramos a onça ou tucano como espécies emblemáticas da Amazônia. Mas a onça pode ser encontrada do México até a Argentina, mas na Amazônia temos a maior diversidade de peixes de água doce no mundo inteiro, e é bem comum ter espécies que existe somente em um lugar, em um lago, abaixo das folhas molhadas em um igarapé ou entre as rochas na corrente feroz de uma cachoeira. Muitos deles têm morfologias, comportamentos e ecologias extraordinários e precisamos celebrar isso também ao lado dos animais nobres e simbolicamente potentes, como a onça.

Amazonianarede- Maxcilene Azevedo – Agência FAPEAM

 

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