Redes de dormir: um costume presente há séculos no Brasil

Costume comum no Brasil a rede é usada desde o nascimento até a morte

Rosangela Portela

Exposição “Vaivém”, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, ano passado, tratou de um objeto que está presente na cultura brasileira: as redes de dormir. Raphael Fonseca, curador da exposição, confessa que é possível contar a História do Brasil através da rede. O costume de dormir nesse leito perdura até hoje.

Dentre algumas associações feitas à simbologia desse objeto de descanso, uma delas é a  preguiça, estereótipo historicamente relacionado à fuga de Napoleão para o Brasil.

“Em 1808, dom João VI foge de Napoleão, vem para o Brasil e se instala aqui. Uma vez que o Brasil tenta ser um país moderno, com mais móveis e um novo urbanismo, a rede pouco a pouco começa a ser vista como uma coisa de um corpo preguiçoso, uma coisa arcaica”, afirma o curador.

Ainda no Brasil Colônia, era utilizada para dormir, enterrar os mortos e como meio de transporte, pois os escravos carregavam os colonos em passeios pela cidade e até em viagens.

Bem antes disso

Mas, o uso da rede é um costume bem mais antigo, herdado dos indígenas brasileiros. Foi Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, quem chamou, pela primeira vez, esse objeto de rede de dormir pela semelhança com rede de pescar.

“As redes primitivas feitas pelas mulheres indígenas eram resistentes, de fiação simples e malhas grandes, por este motivo faziam lembrar a rede de pescar.”

Simbologias

Para muitos amazonenses, a rede é sinônimo de descanso e lazer. Ana Cássia afirma que há briga em sua casa para dormirem na rede. “Nós fazemos um rodízio. E, sempre que viajamos, questionamos o hotel se tem rede. Mas, somente no nordeste conseguimos dormir em paz no nosso vaivém”, confessa.

Nas viagens pelo Amazonas, as redes se espalham nos barcos e, muitas vezes, por conta da lotação, ficam uma sobre as outras. No entanto, é o objeto usado para garantir o sono dos viajantes.

A rede também é fonte de renda para diversas pessoas. Muitos artesãos cearenses trabalham na produção de redes e alimentam o mercado interno e externo, isso porque é um produto cobiçado por alemães, franceses e holandeses, principalmente.

As redes atraíram a atenção dos estrangeiros em 1978, quando se encantaram com as peças à venda em uma barraca de camelô na Praia do Futuro. É o que conta o empresário Antônio Vasconcelos, fundador da empresa Redes Isaac, no Ceará.

“O que eu comprava, vendia”, disse o empresário que foi um dos homenageados no prêmio concedido pela Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB.

Morte e vida

Em Morte e Vida Severina, poema que narra a vida de um retirante nordestino, que parte do sertão em busca de uma vida melhor, Severino retirante encontra dois homens carregando o defunto embrulhado numa rede, costume comum em zona rural.

Mas, assim como a rede está associada ao momento da morte, ela também guarda uma relação com o nascimento e a maternidade. No Hospital Regional de Ceilândia, no Distrito Federal, os bebês são colocados em redes nas incubadoras da UTI neonatal.

O objetivo é fazer uma simulação como se o bebê estivesse no útero da mãe.

“Os bebês ficam durante cerca de duas horas na rede em alguns dias da semana, e a gente vê essa explosão de humanização e de benefícios para os bebês e para as famílias”, diz Hellen Rabelo, terapeuta ocupacional e uma das criadoras do projeto Neném na Rede.

Gilberto Freyre, em seu livro Casa Grande & Senzala, diz que muitos brasileiros, quando pequenos, adormeceram ouvindo o ranger tristonho dos punhos da rede.

Seja como objeto de decoração, de lazer, fonte de renda, meio de transporte, a rede tem acompanhado os brasileiros durante séculos, e a técnica de tecê-la sendo aperfeiçoada a cada ano, tornando-as mais confortáveis e ornamentais.

@amazonianarede

 

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