Os barzinhos de Manaus – A vida boêmia dos anos dourados

Almir Carlos
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Almir Carlos*

Manaus, nos anos 60/70, além de ser entrecortada por igarapés, depois da Ponte Pensador, nos Bilhares, possuía muitos balneários, onde a população aos finais de semana, buscava diversão, lazer, entretenimento e onde se refrescar do calor causticante da bela capital amazonense.

Para se ter uma ideia dos limites da cidade, façamos linhas imaginárias, a fim de entender e simular o tamanho de nossa terrinha…

Partindo do Porto de Manaus, nosso querido roadway, ou “Rodo”, como carinhosamente o chamávamos, em linha reta, o perímetro urbano de Manaus terminava na “Bola do Olympico”. Daí ia-se para São Raimundo, convergindo à esquerda ou para a Cachoeirinha, subindo o Boulevard Álvaro Maia; seguindo em frente, entrávamos na AM- 010, ou seja, a partir do Boulevard, passava a ser o perímetro rural, inclusive onde hoje se localiza o Colégio Denizard Rivail, um pouco antes, funcionava uma oficina de molas para caminhões e carros pesados, era o Posto Cinco, parada obrigatória de caminhoneiros; Exatamente a 5 Km da saída da cidade, daí o nome do local. No trajeto da Rodovia, vários balneários e rendez-vouz, os quais já abordei em outras crônicas.

Voltando à confluência do Boulevard com a Estrada de São Raimundo, hoje Avenida Kako Caminha, atravessava-se a Ponte Velha e chegava-se aos bairros da Glória, de Santo Antonio e São Raimundo, lá no alto. Nessa época, o bairro da Compensa era apenas um belíssimo sítio de propriedade da viúva Borel, já existia a Ponta do Ismael, conhecida como Bombeamento e o límpido e belo Igarapé do Franco. Subindo o Boulevard Amazonas, passava-se em frente ao Cemitério de São João Batista e, dobrando para a Major Gabriel, à esquerda, chegava-se à Vila Municipal, local aprazível, bucólico e com lindas chácaras. Caso seguíssemos em frente, descendo o Boulevard, chegava-se à Praça 14 de Janeiro, à Cachoeirinha, ao Educandos, Aeroporto de Ponta Pelada ou ao Morro da Liberdade.

Caso subíssemos a Eduardo Ribeiro até o IEA, dobrássemos à esquerda e seguíssemos em frente, chegaríamos ao bairro de Aparecida e, ao bairro do Céu, localizado por trás da Casa Dias. Bom, essa era a Manaus de 250.000 mil habitantes em 1965. Lembro que nesse ano viajei para o Rio de Janeiro e no Maracanã, fiquei imaginando toda a população de Manaus ali dentro, pois era à época, a capacidade do maior Estádio do Mundo.

Manaus tinha locais tradicionais para as reuniões etílicas e para “molhar a garganta”, como:

Bar Avenida: Localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, hoje dando lugar a uma Agência do Bradesco. Com mesas de madeira e mármore, cadeiras igualmente de madeira de lei, o Bar Avenida era tradicional por servir uma cerveja bem gelada “casco escuro” e iscas de queijo bola, português, bolinhos de bacalhau e um chouriço, esquentado ao álcool, no balcão. Era muito freqüentado pelos boêmios da época, porém fechou antes da década de 1970;

Bar Soeiro: Na Alexandre Amorim, em frente à Serraria Rodolpho, com a cerveja XPTO, tinindo de gelada e iscas também muito apetitosas. Salvo engano, o proprietário era tio do Armando, português da Praça de São Sebastião.

Bigode do Meu Tio: Na Getúlio Vargas, esquina com a Ramos Ferreira, em frente a antiga Telamazon, hoje Lojas Riachuelo. O bigode inovou com mesinhas baixas, cadeiras de macarrão e copos de alumínio com o nome do local. Era muito freqüentado e um ótimo local para paquerar, principalmente aos sábados à tarde. Ficar tomando umas e apreciar a passagens de moças bonitas era um passatempo maravilhoso;

Paquera´s: Na Eduardo Ribeiro, esquina com a Dez de Julho, ao lado do fabuloso Teatro Amazonas, local aprazível para a juventude e um pré aquecimento para os bailes juvenis do Ideal Clube. Servia-se também uma ótima comida, principalmente o File à Moda;

Xodó: Ao lado da Igreja de São Sebastião, onde nossa turma frequentava todos os sábados à tarde, com mesinhas na calçada e muita movimentação. Um local também muito apropriado para as paqueras;

Alex Bar: Continua firme e forte no mesmo local, Avenida Getúlio Vargas/24 de Maio. Muito freqüentado por comerciários, lojistas e passantes, principalmente aos sábados, onde acontecia música ao vivo e feijoada. Hoje mudou seu atendimento, parece que virou mais restaurante que bar;

Pequeno Príncipe: Funcionou em alguns locais distintos e os principais foram: na Monsenhor Coutinho com a Epaminondas e na Leonardo Malcher com Ferreira Pena, onde tivemos o prazer da convivência com jogadores do Nacional que participaram do Campeonato Brasileiro de 1973, como: Toninho Cerezzo, Campos, Jurandir, Edson Borracha, Aveiros e tantos outros, pois a Concentração, era do outro lado da rua, pela Ferreira Pena. Eu e meu amigo Rinaldo Buzaglo fomos frequentadores assíduos do lugar;

Suprema Chopp: Na Ferreira Pena/Silva Ramos, barzinho que inovou com um tira-gosto de carne, que ficava girando em uma máquina e era cortado e servido na hora. Inovou também com máquinas de som, as famosas máquinas musicais. Tinha na frente o nome das músicas e os números correspondentes; introduzia-se uma ficha, digitava-se o número da música predileta e…som…para acompanhar as noitadas boêmias. Lembro que uma vez, chegamos, Eu, o Getúlio, o Luiz Mário e o Carriço. Paramos para tomar umas comno aquecimento para irmos à boate Danilo`s, localizada na Silva Ramos, à 50m.

Alguém apaixonado, tinha colocado só músicas bregas e nós começamos a ficar incomodados com o “mau-gosto”; o Getúlio resolveu se vingar: comprou 10 fichas e colocou todas na mesma “música”: Aonde a vaca vai, o boi vai atrás…”. Na quarta ou quinta vez que a “música” foi executada, houve uma chiadeira geral, com todos os freqüentadores pedindo para que o dono “tirasse” aquela nojeira…nossa vingança foi maligna!

A Gauchinha: Na Getúlio Vargas/Avenida Ayrão, onde fazíamos o “aquecimento” para os bailes do Olympico. Nesse local, nós chegávamos e pedíamos uma garrafa de Rum Montilla, uma Coca-Cola de 1Lt e limão. Preparávamos na mesa, nós mesmos, nossa Cuba Libre. Muitas brigas aconteceram com a nossa turma. Uma vez, o Valdenor, que tinha namorado com a Meire, irmã do Jairzinho, veio bêbado e falou um monte de besteira, o Jair reclamou e ele disse que ia dar porrada no ex-cunhado. Eis que levanta da mesa o Luiz Mário, primo do Jair e diz; -Vem comigo, vem prá porrada, e saiu cobrindo o Valdenor que, encurralado na parede,foi alvo fácil,

O Mario acertou-lhe um potente direto, fazendo-o dormir. Prá quê?…a porrada cantou…tinham 22 rapazes nas mesas ao lado e todos queriam “linchar” o Mário. Nossa turma entrou na briga e a porrada só terminou quando conseguimos escapar, depois de deixarmos muito olhos e canelas roxos…éramos apenas 6, contra aquele monte. Beleza foi no outro dia: Fomos eu, Mário e meu irmão João para o local. Sentamos e ouvimos os comentários de dois senhores sobre a briga do dia anterior, dizendo que nunca tinha visto tanta covardia e moleza de quase 30 apanharem de 4 garotos. Um deles estava na mesa ao lado, levantou-se e, chegando perto do Mário disse: Mario, me desculpe, eu que comecei tudo, pode me dar uma porrada. O Mário não contou conversa, levantou-se e meteu a mão na cara do dito cujo…continuamos a frequentar o local até o seu fechamento em 1975.

Cantinho da Fossa: Localizado na Avenida Ayrão, próximo à Emílio Moreira. Local aprazível e muito frequentado, principalmente depois da meia-noite, rolava uma paquera beleza e, geralmente um final de noite bem interessante. Uma noite, eu estava com o Mário e ele queria beber até o sol raiar. Como eu tinha aula no outro dia, fui prá casa mais ou menos a 01:00h da manhã. O Mário ficou e no outro dia, soube do acontecido. Existia um cidadão muito conhecido em nossa cidade, dublê de juiz de luta livre e garçom, que trabalhava no local. Quando o barzinho fechou, ele pediu carona do Mário, que estava numa Hondinha, carro bem pequeno fabricado pela Honda.

O Mário muito doido, entrou na traseira de um caminhão, fazendo o pequeno veículo “desmanchar”, literalmente…Foram socorridos e, mais tarde o Mário soube que o carona tinha falecido no acidente. Ficou enlouquecido…com peso na consciência…foi procurado pela família do infeliz e deu todo apoio, inclusive financeiro.

Passados alguns anos eu entro num restaurante da Estrada do Turismo, antiga Estrada do Tarumã, tomo assento, e ouço aquela voz inconfundível: – Boa tarde, o que vão pedir? Viro o corpo e me deparo com o “defunto”. Ele deve ter ficado muito assustado, com a minha cara de susto, mas, fiz os pedidos consumi, pedi a conta, paguei, me despedi e fui embora. O Mário provou um misto de alívio e raiva quando lhe falei, mas, ele preferiu esquecer o assunto…

Bar e Peixaria da Sabá: Na rua Tarumã, do lado esquerdo de quem trafega no sentido centro/bairro, logo após a Duque de Caxias. Local de fim de noite, onde os boêmios procuravam uma boa peixada, depois de muitas cervejas. Frequentado por boêmios e prostitutas, muitas vezes palco de porradas envolvendo amantes. Lembro que uma vez estávamos Eu e Jaime, acabamos de dar o primeiro gole na gelada, quando ouvimos barulho de garrafas se chocando e caindo no chão. Olhamos e estava o Eurico da Galo Gay, com um “bofe” na gravata, enchendo a cara do mesmo de socos e dizendo: _ Isso é prá ti aprender a me respeitar, se eu tivesse medo de macho, não colocava macho em cima de mim! E haja porrada no garotão! A peixada da Sabá era respeitada e muito gostosa, até mais tarde virar caldeirada…

Ká te Quero: Na Floriano Peixoto, ao lado do antigo prédio do Detran, depois Banco do Estado do Amazonas, bem ao lado do Centro Comercial Capiberibe. Outro local de muitas boêmias e de paqueras, também aos sábados, principalmente quando tínhamos aulas nesse dia. Continua do mesmo jeito e com antigos frequentadores fiéis às suas comidas e bebidas;

Natália: Na Epaminondas, ao lado do Colégio Militar. Nome do bar em homenagem à filha do dono, uma gata chamada Natália, que poucas vezes tivemos o privilégio de vê-la no caixa. Ela pouco ficava no recinto, mas, era motivo para nossa frequência. No Natália, íamos muito aos sábados pela manhã, principalmente em 1973/74. Íamos Eu e o Adil, colega do Colégio Estadual. Como ele morava quase ao lado, subíamos a Eduardo Ribeiro e parávamos para tomas umas geladas até´ às 2, 3h da tarde. Local muito bom e bem frequentado.

Caldeira: Alguns acontecimentos em Manaus marcam para sempre. A Santa Casa de Misericórdia, fazia fundo com o bar e, um dia a caldeira do hospital explodiu… foi um acontecimento terrível na cidade, com muitos feridos e alguns óbitos. Desde esse dia o bar passou a chamar-se Bar Caldeira. Continua em funcionamento e agora com certeza bem melhor, principalmente aos domingos onde acontece música ao vivo a partir da 11:00h, com músicos da melhor qualidade, tudo bem espontâneo, como diversão, sem profissionalismo, com oportunidade para todos que quiserem dar “uma palhinha”…ou apenas tomar suas geladas e ouvir uma boa música;
São Marcos: Na Floriano Peixoto, bem ao lado do Edifício Garagem, também conhecido como “Bar dos Cornos”. Salvo engano, o primeiro local em Manaus a vender Chopp, depois o Pinguim e o Hamburgão Chopp, no térreo do Edifício Maximino Corrêa. No São Marcos, tinha um garçom chamado Marcio, que ainda hoje trabalha na profissão numa famosa Pizzaria de Manaus, que não sei porque cargas d`água, nos vendia fiado. Enchíamos a cara num sábado e pagávamos no outro. Sem sombra de dúvidas, não tinha lugar em Manaus que servisse um chopp e bolinhos de bacalhau, como no São Marcos. Continua resistindo ao tempo e ao progresso e se tornando a cada dia, um dos pontos mais tradicionais de nossa cidade.

Bebe´s: Na Leonardo Malcher, quase esquina com a Getúlio Vargas, local de boêmia, funcionando até o sol raiar. Nesse local tive o prazer de ouvir os melhores músicos da terra: Rinaldo, no violão, Carlito, no Cavaquinho, Wagner, no atabaque. Era um local bem pequeno, acho que uma garagem, mas, com uma freqüência invejável de pessoas de nível intelectual, amantes da boêmia e das boas músicas…

Eu poderia citar pelo menos mais 20 ou 30 bares, nos diversos bairros de Manaus, como Educandos, que tinha uma intensa vida boêmia, Cachoeirinha, Praça 14 de Janeiro, Joaquim Nabuco, no Alto do Nazaré, João Coelho, enfim… mas, deixarei para uma próxima oportunidade quando voltar a reviver a vida boêmia de nossa querida cidade nos anos dourados, ensolarados pelo brilho intenso e pelo arrebol pintado no horizonte e que a Ponte há de aproximar, do lado esquerdo do coração do Rio Negro!

*Almir Carlos é professor, pedagogo e escreve neste portal história e estórias da Manaus antiga.
Obs: os artigos assinados não espelham a opinião do portal e são de inteira responsabilidade de seus autores.

4 COMENTÁRIOS

  1. Poderia nos dizer em quais BARES desse o consumo de CACHAÇA era o carro chefe por assim dizer? Sou Proefessor de História e colecionador de cachaça e gostaria de escrever sobre o tema. Muito obrigado!

  2. Acho há um erro quanto ao endereço do Alex Bar, o certo é na esquina da Avenida Getúlio Vargas com rua Saldanha Marinho, naobe isso?

  3. Enfim adorei essa sua narrativa descritiva maravilhosa sobre o aspecto “ébrio etílico” de nossa cidade. Viajei em cada um dos lugares citados, apesar de ter frequentado bem poucos deles. Parabéns.

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