O Campo Grande -1ª parte

 

Almir Carlos*almir carlos Nos anos 50, existia onde hoje está localizada a Construtora Capital, (e que antes havia funcionado um dos melhores Restaurantes de nossa cidade, o Canto da Alvorada), na esquina da Comendador Clementino/Japurá, um campo de grandes proporções, onde o Rio Branco, clube comandado pelo Gorgonha e por meu pai, fazia suas partidas pelo Campeonato Amazonense Amador e era quase imbatível. Pela grandeza do local, a Comendador Clementino era conhecida como Campo Grande. Bem próximo estava localizada a taberna do seu Abidon, onde se comprava o pão, a manteiga e o cafe de todo dia. Vale ressaltar, que esta artéria não tinha passagem para o Boulevard, porque existia um igarapé, que só mais tarde, por volta de 1962, é que a Prefeitura aterrou completando a ligação.

Nasci nesta rua, exatamente na casa de Nº 315, ao lado da casa do seu Públio, senhor que trabalhava como Construtor e como não poderia deixar de ser, construiu a nossa casa também. Pai do Manuel Diniz, meu querido “Tuta” e do Publiozinho,  Seu Públio, como o chamávamos, marido da Dona Sallete, era um homem austero, sério, de poucas palavras. Lembro muito bem que após o jantar, ele acendia um cigarro, montava em sua Lambretta Vespa M4 e saia acelerando e baforando, deixando para trás uma nuvem de fumaça.Faleceu muito cedo, acho que de infarto no miocárdio..

Mais abaixo, morava Dona Filó, mãe do João, o “Bão”, do Guergue, o “Dédi” e do Zequinha, que nasceu surdo-mudo. Ao lado, morava sua avó, Dona Otília. Os dois primeiros mais adiante serão personagens de diversas passagens que aqui abordarei. Logo após, morava o Beto, Calistene, Carlizete, Carlete, filhos do seu Carlindo, que vendia quebra-queixo e, mais abaixo, já próximo ao igarapé, moravam o Cláudio e o Mário, que cedo se mudaram e nunca mais tive notícias. Do outro lado da rua, morava o Conceição, rionegrino doente e que vendia  o melhor cuscuz de Manaus. Acima, Dona Izaura, mãe do Conceição e avó da Maria, da Cecília e sogra do Vado. Nesse terreno, existia uma frondosa mangueira que nos fazia acordar de madrugada para juntar as mangas mais saborosas que já comi. Tinha também um pé de sapotilha, que era muito visitado por nós depois do crepúsculo, pois os morcegos derrubavam seus frutos, que eram disputadíssimos por todos. Nesse terreiro, jogávamos bolinha, cangapé, soltávamos papagaio, enfim…era nosso Parque de Diversões…

Um pouco mais acima, vivia a Dona Dondon, avó do Joca, do Fernando e do Toinho. Com certeza essa senhora chegou ao centenário. Era dona de uma vila, onde numa das casas morava o Buck, primo do Odilon, taberneiro, cuja mercearia localizada ao lado, foi palco de inúmeras facetas aprontadas por nossa turminha, principalmente pelo Getúlio e que abordarei mais adiante…O Buck, era esquizofrênico. Não se podia falar ou emitir sons perto dele, pois o deixava enlouquecido! Por exemplo, o Nato começava a provocar sons de escarro, quando o mesmo se aproximava…ah, era uma verdadeira loucura: o Buck chamava os piores palavrões, se armava de pedras que as atirava contra nós e, se ele tivesse algo de comer nas mãos, jogava fora. Coitado do Buck, teve uma vida infernizada por nós, principalmente pelo Getúlio e pelo Nato…todos nós devemos um pedido de perdão a ele e acima de tudo a Deus para livrar sua alma. Tivemos uma parcela significativa de culpa pela vida tão amarga e aperreada que teve. Perdão Buck, que Deus tenha piedade de tua alma!

A taberna do seu Odilon, era nosso local favorito de reuniões. Chegávamos todos os dias por volta de 16/17:00h para merendarmos. O Getúlio, trazia de sua casa, leite, óleo, trigo…o que pudesse e trocava por cigarros com o Odilon. Pedia catolés e o Odilon negava pois sabia muito bem o que o Gegé pretendia…este jurava que não faria nada de errado, prometia, fazia uma cara de anjo até que o Seu Odilon cedia e lhe vendia alguns catolés, não sem antes alertar que se ele fizesse alguma sacanagem, lhe arrancaria os culhões com uma faca peixeira que ele sempre tinha às mãos, próxima ao balcão.

O Getúlio pegava os catolés de cima do balcão, virava de costas, andando em direção a saída do comércio, já com um riso debochado no rosto, riscava um dos catolés, virava-se rapidamente e o lançava por baixo do balcão. Imagine o estrondo que fazia e o susto que o Odilon tomava. Refeito do susto, Odilon pegava da peixeira e saia correndo atrás do Getúlio proferindo impropérios,  que a essa altura já estava bem longe..Interessante é que depois o Getúlio voltava à taberna e o Odilon o tratava como se nada tivesse acontecido. Tenho a impressão de que eles viviam uma ambiguidade de sentimentos: amor e ódio!

*Almir Carlos, é professor, pedagogo  e conta neste Site, histórias ou estórias da Manaus antiga.

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