Inquérito policial apura suspeitas de tráfico de drogas durante campanha eleitoral de 2010. Defesa afirma que denúncia é “sem fundamento”
Brasilia – deputada federal e ministra nomeada do Trabalho, Cristiane Brasil (PTB-RJ), é alvo de um inquérito policial que apura suspeitas de tráfico de drogas e associação para o tráfico durante a campanha eleitoral de 2010.
A investigação foi enviada nesta sexta-feira (2) à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, porque Cristiane possui foro privilegiado.
O inquérito também apura suposto envolvimento no caso do deputado estadual Marcus Vinicius (PTB), ex-cunhado da parlamentar, e três assessores dela na época. Eles são acusados de dar dinheiro a traficantes de Cavalcanti, bairro pobre da zona norte da cidade e uma das bases eleitorais da deputada.
O procedimento foi aberto inicialmente pela Polícia Civil após denúncias encaminhadas por e-mail à Ouvidoria da corporação. O Estado teve acesso ao teor do inquérito policial. Os nomes dos autores das denúncias foram preservados por motivo de segurança.
Direito exclusivo a traficantes
Conforme os denunciantes afirmaram no inquérito, assessores de Cristiane – que na época era vereadora licenciada e comandava uma secretaria municipal do Rio na gestão de Eduardo Paes (MDB) – pagaram a traficantes para terem o “direito exclusivo” a fazer campanha na região.
Cristiane não se candidatou em 2010, mas naquele ano deu apoio para candidatura de Vinícius – então seu cunhado – à reeleição. Ela se candidatou e foi eleita deputada em 2014. Cristiane e Vinicius negam todas as acusações.
O inquérito investiga também se líderes comunitários foram constrangidos pelos criminosos a fazer campanha eleitoral. Nas denúncias há referências a “Zezito”, apontado como chefe do tráfico das comunidades Vila Primavera, Parque Silva Vale e JJ Cowsert, localizadas no bairro de Cavalcanti.
‘Chefão’
Segundo um dos denunciantes afirmou no inquérito, os traficantes chegaram “ao absurdo de levarem as presidentes das associações do bairro para conversar com o chefão do morro porque elas não queriam trabalhar para a vereadora (Cristiane).
A intenção dele (assessor) era que o chefão fosse mandar dar uma surra nelas e obrigá-las a trabalhar para a vereadora ou em caso de recusa até mesmo matá-las”.
Uma líder comunitária relatou na investigação formal que foi ameaçada porque não participou de panfletagem da campanha da hoje ministra nomeada.
Invasão de casas
Um dos assessores de Cristiane à época foi acusado de, em cumplicidade com um primo apelidado de “Cigarrão”, invadir casas dos moradores para a retirada de cartazes de outros políticos por ordem de Zezito.
Ritmo. Em quase oito anos o inquérito andou devagar. Cristiane Brasil nunca foi ouvida, apesar de ter sido expedida contra ela, em 29 de setembro de 2011, uma intimação para depoimento. A Polícia Civil tentou intimar Cristiane no Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa. Na época ela era secretária de Envelhecimento Saudável do município.
O inquérito tramitava desde 2010 na Delegacia de Combate às Drogas. Na semana passada, depois de o Estado pedir acesso aos autos, a investigação foi remetida pela Polícia Civil ao Ministério Público Estadual.
O MP Estadual imediatamente anunciou que o remeteria ao Ministério Público Federal no Rio. Em 2015, porém, Cristiane, após ser eleita deputa federal em 2014, ganhou direito a foro especial no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nomeada ministra
Ela foi nomeada há um mês ministra do Trabalho pelo presidente Michel Temer. O objetivo de Temer era obter apoio do PTB, presidido por Roberto Jefferson, pai da deputada e presidente da legenda, à Reforma da Previdência.
Uma série de decisões judiciais, a mais recente da presidente do Supremo, ministra Cármen Lucia, a impediu provisoriamente a deputada de tomar posse.
“Sem fundamento”
O advogado de Cristiane Brasil, André Miranda, disse que o inquérito que investiga sua cliente tem como base uma denúncia “apócrifa”, sem fundamentos.
“Tudo isso que está sendo falado é de uma denúncia apócrifa e nada disso foi confirmado no inquérito. Nada deu ensejo a um ajuizamento penal. Até uma pessoa que não existe pode ser acusada de alguma coisa”, disse Miranda. Procurada, a parlamentar não quis dar entrevista.
Por meio de nota, a assessoria do deputado Marcus Vinícius disse que ele prestou esclarecimentos sobre uma “denúncia anônima” e alegou “motivações políticas de algum adversário incomodado com a atuação do parlamentar na região”.
Em seu depoimento à Polícia Civil, Vinicius alegou que nunca teve envolvimento com traficantes ou qualquer pessoa ligada a atividade ilícita. Ele admitiu, porém, que, em 2010, esteve em várias comunidades carentes “com o objetivo de fazer campanha política para a reeleição ao cargo de deputado estadual”. Afirmou que durante as visitas “não viu nem entrou em contato com qualquer pessoa ligada à atividade ilícita do tráfico de drogas”.
Sobre o envio dos autos para o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual afirmou que “inúmeros inquéritos tramitam entre as delegacias” e o MP-RJ.
Já a assessoria da Polícia Civil afirmou que o delegado Felipe Curi, titular da Delegacia de Combate às Drogas, disse na semana passada que o inquérito policial estava sob sigilo. Por esse motivo, não poderia responder nenhuma pergunta da reportagem.
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