Justiça: Condenados pela morte do garoto Bernardo, pai, madrasta e mais dois réus

Justiça: Condenados pela morte do garoto Bernardo, pai, madrasta e mais dois réus

Três Corações, RS – O Conselho de Sentença do Tribunal do Júri condenou nesta sexta-feira (15) os quatro acusados pela morte do menino Bernardo Uglione Boldrini, em abril de 2014.

Após cerca de 50 horas de julgamento popular, em cinco dias, a sentença foi proferida pela juíza Sucilene Engler Werle por volta das 19h no Foro de Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul.

Ao ouvirem o veredito, seguido das penas, os réus não esboçaram reação. O médico Leandro vestia uma camiseta assinada pela filha de seis anos com os dizeres: “Pai, eu sigo seus passos”.

Os irmãos dele estavam presentes. Sentado em uma das cadeiras reservadas aos familiares, o mais velho balançava a cabeça em sinal de negação após ouvir o resultado. “Achei exagero. Me decepcionei com a decisão”, confessou Paulo Boldrin. Ele disse que ainda acredita na inocência de Leandro.

Minutos depois, Edelvânia propôs um abraço entre irmãos. Separados por uma mesa, ela estendeu os braços em direção a Evandro, que retribuiu o gesto.

Do lado de fora do prédio, a comunidade esperava, ansiosa, pelo resultado, que foi comemorado pela maioria. A medida que o término do julgamento se aproximava, o movimento na avenida Júlio de Castilhos crescia.

Dezenas de pessoas vestiam camisetas com a foto de Bernado e seguravam cartazes em homenagem ao menino.

Lida a sentença, parte da população saiu em caminhada até a casa onde Bernardo vivia, a algumas quadras dali. O objetivo era retirar os cartazes com pedidos por justiça que, há quase cinco anos, se acumulavam no local.

“A gente sempre comentou que quando a justiça fosse feita e tudo acabasse a gente ia tirar. Até para trazer paz para ele e para todos”, justificou a ex-professora de Bernardo, Susana Ottonelli.

Enquanto isso, a outra parte preferiu aguardar a saída dos condenados em frente ao Fórum. Aos gritos de “assassinos, assassinos”, a população assistiu de perto aos carros da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) deixando o local.

Muitas pessoas, inclusive, pediram para tirar fotos ao lado dos promotores do Ministério Público quando o julgamento acabou e parabenizaram o trabalho da acusação.

Em entrevista coletiva após a o julgamento, a juíza Sucilene Engler comentou os cinco dias de júri. “Eu e minha equipe vínhamos nos preparando há tempos. Tínhamos 28 testemunhas arroladas, estávamos preparados para um julgamento longo”, ressaltou ela. Houve desistências, sobrando 14 testemunhas, o que possibilitou o julgamento mais breve.

Conforme a juíza, Graciele recebeu uma pena maior do que a de Leandro, apesar de responder por menos crimes, em função do juízo de valor do que está previso em lei e o que consta nos autos. “São as circunstâncias dos autos que devem ser avaliadas. Quando fazemos a dosimetria, avaliamos a personalidade, a conduta”, detalha.

“A conduta valorada a ela foi um pouco mais grave”, explicou. “Desde o início, eu senti um certo tratamento diferente talvez, todo mundo preocupado com o caso. Entendo que teve repercussão desde o início. Mas a forma como eu saio daqui hoje é a mesma forma como saio de qualquer outro júri”, concluiu a juíza.

Acusação

Um dos promotores do caso, Bruno Bonamente, disse que o Tribunal do Júri fez justiça com a condenação dos quatro réus. “O MP avalia o resultado como excelente”, pontuou ele, em entrevista coletiva com os colegas Silvia Jappe e Ederson Vieira.

Conforme Bonamente, o cálculo das penas e a possibilidade de recurso serão avaliados pelo MP.

O promotor comentou, por exemplo, que Evandro foi condenado por homicídio simples, e não qualificado, conforme a denúncia. “O MP entende que esse afastamento das qualificadoras representam a vontade do júri”, afirmou.

Em um julgamento longo, marcado por intensos debates, a promotoria avalia que os resultados foram positivos, mas questionou algumas atitudes das defesas, como o fato de alguns réus se negarem a responder perguntas do MP.

“O silêncio é um direito constitucional, mas nos sentimos cerceados”, afirmou Ederson. Ele acrescentou que não vê chance para pedido de nulidade do julgamento.

O que dizem as defesas

O advogado de Leandro Boldrini, Ezequiel Vetoretti, não quis se manifestar sobre o resultado. Ele disse que a defesa ainda irá analisar se vai recorrer da decisão.

A defesa de Graciele Ugulini já adiantou que vai recorrer. “Vou recorrer por uma questão de ordem técnica, nós entendemos que tem uma problemática na montagem do Conselho de Sentença”, afirmou  o advogado Vanderlei Pompeu de Mattos.

O advogado de Edelvânia Wirganovicz também irá recorrer. “Para tentar reduzir um pouco essa pena, analisar se tem alguma hipótese para anulação do júri”, explicou o advogado Jean Severo, complementando que também tentará a absolvição de sua cliente no homicídio (em caso de anulação do júri).

O representante de Evandro Wirganovicz disse que a condenação foi injusta e que vai entrar com recurso. “Há uma condenação sem provas no caso do Evandro. Não há qualquer elemento que justifique a condenação”, disse o advogado Luiz Geraldo Gomes dos Santos.

Resumo

Bernardo foi morto no dia 4 de abril de 2014, e enterrado em uma cova cavada à mão.

O menino morava com o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugulini.

O corpo foi encontrado na noite de 14 de abril de 2014. Leandro, Graciele e Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, foram presos no dia.

A investigação apontou superdosagem do medicamento Midazolam como a causa. Os três foram indiciados.

No dia 10 de maio de 2014, o irmão de Edelvânia, Evandro Wirganovicz, também foi preso.

A polícia divulgou vídeos de brigas entre Bernardo, Leandro e Graciele, e também conversas de familiares sobre o crime.

A denúncia do Ministério Público apontou que Graciele ministrou o remédio, com ajuda de Edelvânia. Leandro foi apontado como mentor e Evandro, como cúmplice.

Já na condição de réus, Leandro, Graciele e Edelvânia e Evandro foram pronunciados ao Tribunal do Júri.

Recurso

As partes podem recorrer da decisão, porém, o recurso não poderá passar uma condenação para absolvição e vice-versa. Para isso, seria necessário um novo julgamento popular.

Os desembargadores, que julgam os recursos, não podem reformar o entendimento do Tribunal do Júri, que é soberano, mas podem modificar a pena aplicada pela juíza. Também pode haver pedido de anulação do Júri. Se ninguém recorrer, em cinco dias a decisão será definitiva.

O Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que define se os réus são culpados ou inocentes, é formado por sete jurados, escolhidos dentre um grupo de 25 pessoas da comunidade já convocadas pela Justiça. No caso Bernardo, a avaliação coube a cinco homens e duas mulheres.

A partir da decisão dos jurados, a juíza que preside o Júri é quem aplica a pena e faz a leitura da sentença.

O julgamento

Foram cerca de 50 horas de sessões em cinco dias exaustivos para os envolvidos no julgamento, principalmente para testemunhas e jurados, que passaram a semana toda em um hotel, sem comunicação e acesso a notícias.

Nos últimos dias, houve debate entre defesa e acusação, os quatro réus foram interrogados e 11 testemunhas foram ouvidas – cinco arroladas pela acusação e sete arroladas pela defesa de Leandro Boldrini (uma delas falou tanto pela defesa quanto pela acusação).

Somente depois dessas etapas, o Tribunal do Júri chegou a uma decisão.

Testemunhas

A semana começou com a oitiva de testemunhas. No primeiro dia, as delegadas Caroline Bamberg Machado e Cristiane de Moura Baucks, representando a acusação, deram relatos sobre a investigação policial da morte do menino.

Na terça-feira (12), outras seis testemunhas foram ouvidas. A primeira foi Juçara Marques Ribeiro Petry, que foi vizinha de Bernardo. Ele costumava passar dias na casa dela, a quem se referia carinhosamente como “Tia Ju”. Segundo ela, a criança era negligenciada pela família.

A psicóloga que tratou Bernardo, Ariane Schmitt, corroborou o depoimento de Juçara. Definiu o pai Leandro como “pouquíssimo envolvido, tangencial, periférico, sem vínculo, sem empatia com a criança”.

Testemunha de defesa, Lore Heller, que trabalhou na casa de Leandro enquanto ele vivia com Odilaine, disse que Boldrini era um bom pai.

A técnica de enfermagem Marlise Cecília Henz, que trabalhava diretamente com o pai de Bernardo no hospital e testemunhou pela defesa, classificou Leandro como um homem simples e Graciele uma mulher vaidosa. Marlise acrescentou que não sabia das histórias de que Bernardo era maltratado.

As últimas três testemunhas da defesa de Boldrini prestaram depoimento na quarta-feira (13). Uma delas foi um perito criminal grafotécnico aposentado contratado pelos advogados para analisar a rubrica que aparece na receita usada para comprar o Midazolam com rubricas de Leandro.

A testemunha usou um telão para exibir imagens comparativas e defender que a receita não teria sido assinada pelo réu.

O Instituto Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul emitiu um laudo de análise inconclusiva. Segundo o órgão do governo do estado, não era possível determinar a autoria do traço.

Interrogatório dos réus:

Também na quarta-feira, a juíza deu início à fase dos interrogatórios dos réus. Boldrini foi o primeiro a ser ouvido. Ele negou as acusações, atribuiu o assassinato do filho a sua mulher Graciele Ugulini e a Edelvânia Wirganovicz e argumentou que só ficou sabendo da morte de Bernardo quando foi avisado pela polícia, no momento em que foi preso.

No dia seguinte, os demais réus foram ouvidos. Graciele disse que a morte do enteado foi “acidental” e que o menino teria tomado os medicamentos por conta própria. Ela assumiu ter enterrado o corpo, por desespero, segundo ela, junto com a amiga Edelvânia a quem teria implorado ajuda. A ré inocentou Evandro e Leandro, dizendo que a rubrica que seria do médico na receita usada para comprar o medicamento foi, na verdade, uma imitação feita por ela.

Edelvânia também disse não ter envolvimento na morte de Bernardo, mas apresentou uma versão diferente da de Graciele. Disse que a amiga teria entregado a quantidade de medicamento ingerida por Bernardo nas mãos do menino.

Na sequência, teria sido ameaçada por Graciele para que a ajudasse a enterrar o corpo, caso contrário sua família seria morta. Ela também inocentou o irmão e Leandro. A ré chegou a passar mal durante o depoimento.

O réu Evandro foi o último a ser interrogado. Ele negou todas as acusações contra ele, disse que não participou do crime e que “não conhecia esse lado da irmã”. Alegou que mentiu, inicialmente, em depoimento à polícia sobre ter estado nas proximidades do local onde o corpo de Bernardo foi enterrado por medo de ser culpado pelo homicídio do menino, mas que estava em férias, pescando.

Fase de debates:

A reta final do julgamento começou na tarde de quinta-feira (14), quando o debate entre acusação e defesa teve início.

O Ministério Público teve quatro horas para defender sua tese buscando convencer os jurados. Durante a explanação dos promotores, foram exibidas fotos do cadáver da criança, em um dos momentos de maior comoção do julgamento popular. O pai de Bernardo, Leandro Boldrini, retirou-se do salão do júri.

Na sequência, foi a vez das defesas apresentarem os contrapontos. Cada uma teve uma hora. A primeira a se manifestar foi a de Leandro, seguida pelo advogado de Graciele, Edelvânia e Evandro. A sessão terminou após a meia-noite e durou cerca de quinze horas.

Na sexta-feira, último dia de julgamento, como parte do rito, houve mais duas horas para réplica do MP e outras duas para tréplica das defesas.

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