MANAUS – Sem poder contar com a solidariedade e com o espírito fraternal de parte da sociedade no mês de dezembro, menores revelam que sonham com dias melhores, para que possam viver, de fato, a magia da infância e do Natal.
Em cada esquina de Manaus, um abrigo para aqueles que, mesmo sendo pequenos no tamanho, já carregam na bagagem uma história de vida de gente grande, que precisa lutar para ganhar o “pão nosso de cada dia”. É o caso dos amigos inseparáveis Fabrício Franco, 13, Alex Silva, 14 e Victor Júnior Souza, 7, que deixam de lado o descanso, no período de recesso escolar, para sobreviver da arte do malabarismo, apresentado todos os dias nas esquinas do conjunto Vieiralves, Zona Centro-Sul.
Com a timidez e a inocência ainda de criança, o trio destaca que a atividade é feita nos semáforos apenas no último mês do ano e o dinheiro arrecadado serve para ajudar na ceia e na compra dos presentes.
“Meus pais não influenciam e nem me obrigam a trabalhar no sinal. Faço isso nas férias para ajudar em casa. Eles trabalham, mas sei que ganham pouco. Então, o que eu ganho aqui, dá para ajudar na comida, na roupa e ainda sobra para comprar um brinquedo. Além disso, o malabarismo é uma forma de brincadeira e de aproveitar o recesso da escola.
Não vou deixar os estudos pelo trabalho, porque quero me formar e dar uma vida melhor para meus pais e irmã”, afirmou Fabrício.
Outro grupo de cinco crianças da periferia, se reúne, diariamente, para fazer também de forma improvisada pelas ruas de Manaus, o tão conhecido malabarismo com frutas. O motivo é conquistar os motoristas e motivá-los a doarem pequenos valores que serão empregados na festa de final de ano.
Há quem pense que o trabalho é fácil e não requer habilidade. Mas, os menores afirmam que, para impressionar, é preciso planejar cada espetáculo e trabalhar com o cálculo do tempo investido nas apresentações e nas arrecadações.
O jeito infantil, inseguro e às vezes desengonçado da apresentação do grupo chega a se repetir, em média, 300 vezes por dia, garantem os menores. Geralmente, eles não se alimentam bem e dividem a água que compram com o dinheiro arrecadado. Mesmo com essas dificuldades, os meninos alegam que, debaixo de chuva, essa rotina se torna uma brincadeira e faz com que todos os anos suas famílias tenham um Natal melhor.
“Nesta época, tudo que ganhamos é para comprar sapatos e roupas. Mas, a prioridade é a nossa alimentação na noite de Natal. Nossos pais estão desempregados e nós somos os homens da casa agora. Conseguimos arrecadar, por dia, cerca de R$ 300. Dividimos entre nós e ficamos felizes”, comentou o menor Pedro, 11.
Já os condutores, mesmo se encantando com a apresentação dos menores, não concordam com a atividade e reprovam a atitude dos pais em liberarem os filhos para trabalhar nos sinais. Alguns motoristas chegam a classificar essa “renda extra” como crime e exploração. No entanto, outros condutores se sensibilizam com a realidade das crianças e não encontram barreiras para ajudá-las a conquistar seu pedido de Natal.
“Ficamos praticamente hipnotizados com a arte dessas crianças. Sabemos que muitos estão aqui porque precisam, mas não podemos alimentar este tipo de atividade. É ilegal e, no fundo, prejudica as crianças. Dar um trocado é um incentivo para elas trocarem a escola pelas ruas. Não compartilho desse tipo de solidariedade”, disse a universitária Carolina Melo.
Contagiado pelo espírito de Natal, o industriário Roberto Moreira alega que não vê problema em contribuir para que as crianças tenham uma ceia mais digna e, é claro, com presentes.
“O ato de doar tem que partir do coração. Quem quer ajudar, ajuda. Independente como seja o meio usado por eles para arrecadar essa ajuda. Eu sempre me coloco no lugar dessas crianças e fico imaginando se fosse eu que precisasse de dinheiro para comer e recebesse um não. Não vejo problema em contribuir para que eles tenham um Natal menos traumático”, salientou.
Por outro lado, nem todo cenário é composto pela inocência das crianças. No cruzamento das avenidas Leonardo Malcher com Getúlio Vargas, menores são explorados e trabalham para adultos, que, muitas vezes, são membros da própria família. Neste caso, eles são obrigados a entregarem toda a renda do dia. Ao ser questionada sobre essa situação, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (Semmasdh) disse que, há mais de 3 anos, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) realiza ações com os condutores de veículos no sentido de sensibilizar, orientar e informar os malefícios que causam as doações feitas às crianças e adolescentes nos referidos locais por todos.
Complexo
Mesmo trabalhando a questão da sensibilização contra o trabalho infantil, a Semmasdh destaca que a retirada dos menores é complexa. O órgão ressaltou que o trabalho realizado já deveria ser o suficiente, mas a reincidência ainda é uma realidade.
“Além dos órgãos que compõem a rede de atendimento, também é necessário o apoio da mídia e da sociedade, para alcançarmos um resultado positivo”, frisou a Semmasdh.
Em relação à exploração das crianças que envolve os genitores, a secretaria disse que esse fato vem sendo articulado e está em fase de tramitação com toda a rede de proteção.
Ao tomarem conhecimento desses casos, a situação é repassada para a Justiça e, posteriormente, as famílias são logo acionadas.
Esse é um processo direcionado ao eixo de responsabilização que envolve a delegacia e o Juizado da Infância.
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