Deputados querem censurar conteúdo na Internet

Amazonianarede – Veja

Brasília – Recém-empossado no cargo de procurador da Câmara dos Deputados, o deputado Cláudio Cajado (DEM-BA) flerta com a censura na web. Ele pretende banir da internet todo conteúdo que, em sua avaliação, represente calúnia, injúria ou difamação a congressistas.

Sob o argumento de ser “responsável pela defesa da honra e da imagem da instituição e de seus parlamentares”, o parlamentar quer fechar um acordo com o Google para facilitar a retirada de vídeos do YouTube e textos do Blogger, ambas plataformas da empresa, sem necessidade de notificação judicial.

A ideia do deputado é tornar sistemáticas iniciativas ocorridas nas eleições de 2012, quando candidatos a prefeito e vereador pleitearam a retirada do ar de conteúdos que não lhes eram simpáticos, sendo em muitos casos atendidos pela Justiça Eleitoral. Na época, a Polícia Federal chegou a prender o diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, porque a empresa, que ainda recorria de uma decisão judicial, não havia banido vídeos desfavoráveis a Alcides Bernal (PP), um dos candidatos a prefeito de Campo Grande (MS).

Segundo relatório do Google, entre janeiro e junho de 2012, órgãos das diferentes esferas do poder público (federal, estadual e municipal) solicitaram a remoção de 2.310 conteúdos publicados em suas plataformas — Picasa, YouTube, Orkut e Blogger, além do próprio serviço de buscas. Metade dos pedidos (1.231, ou 53%) alegava que o material não passava de pura difamação. A Procuradoria da Câmara trabalha para aumentar as estatísticas. Atualmente, o órgão tenta negociar com a companhia dois casos de remoção de conteúdo considerado impróprio pelos deputados envolvidos e também pelo procurador Cajado.

O levantamento do Google não filtra as solicitações vindas a partir dos deputados federais, mas a empresa garante que o volume de pedidos a cada semestre é de pouco mais de uma centena. “Nos períodos eleitorais, esse número dobra ou triplica”, explica Felix Ximenes, diretor de comunicação do Google Brasil. A companhia reitera ainda ainda que sua posição é de defesa do direito de acesso à informação e da liberdade de expressão.

“Informação geralmente significa mais escolhas, mais poder, melhores oportunidades econômicas e mais liberdade para as pessoas”, disse publicamente o presidente da companhia, Fábio Coelho, na ocasião de suadetenção, no ano passado.

Cajado é contra esse “excesso de liberdade” na internet e não se acanha ao expor a intenção de facilitar a remoção de conteúdo envolvendo congressistas. “Temos que estabelecer essa discussão sobre as ofensas em vídeos e textos independentemente da Justiça, pelo bom senso das pessoas”, justificou o deputado ao site de VEJA. Logo após assumir o posto de procurador da Câmara, ele procurou o Google. Argumentou que a retirada imediata de vídeos considerados ofensivos seria uma reposta à uma “violação ao espírito democrático que deve prevalecer nas relações entre Poder Legislativo e meios de comunicação”.

Sociedade — Para especialistas, o verdadeiro espírito democrático deve soprar em favor da sociedade, garantindo-lhe direito à informação e à expressão. “Quando se parte do pressuposto de que a remoção de conteúdos desse tipo é aceitável, abre-se margem para a censura”, diz Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, entidade sem fins lucrativos que defende a liberdade de expressão e o direito à informação. “A publicação de conteúdos ofensivos ou difamatórios deve ser combatida, mas para isso já existem recursos previstos na Constituição. Da forma como se pretende essa suposta proteção à figura pública pode dar espaço a abusos.”

Marcos da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), lembra que questões relacionadas à vida pública de um deputado federal não devem sofrer nenhum tipo de censura. “Denúncias contra autoridades públicas devem ser apuradas, e o mesmo espaço pode ser usado para resposta: os homens públicos devem encarar as críticas como oportunidade de aprimoramento”, diz Costa. José Arthur Giannotti, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), aprofunda o raciocínio. “A Câmara não pode defender a ideia de ocultar os podres da própria Câmara”, afirma. “Existe ainda o perigo de esse mecanismo defender os próprios interesses ao restringir informações do público.”

Filtro — Apesar da controversa iniciativa de Cajado, a grita parlamentar contra conteúdos desabonadores publicados na internet não é automaticamente levada adiante. De janeiro de 2012 a março deste ano, das 30 reclamações de deputados federais contra textos e vídeos supostamente ofensivos, apenas três foram consideradas procedentes pela própria Procuradoria. Em um dos casos arbitrado pela Justiça, o Google foi obrigado a retirar 11 vídeos considerados caluniosos contra o atual líder do Partido da República (PR) na Câmara, o ex-governador Anthony Garotinho (RJ).

“Não é aceitável que se usem palavras pejorativas e ofensivas e, por outro lado, não se imponha nenhum tipo de óbice”, diz Cláudio Cajado. Para ele, a iniciativa de retirar prontamente vídeos caluniosos (ou assim vistos pelos próprios políticos) da internet, sem determinação judicial, não seria nem censura prévia nem tampouco violação à liberdade de imprensa. “Não podemos pensar olhando só para o próprio umbigo e dizer ‘eu vou fazer, acho que estou certo, mesmo que esteja ofendendo’. E o Google não pode se eximir de responsabilidade”, afirma.

A batalha de Cajado contra provedores de internet não é nova. Não satisfeito em ver arquivado um processo que respondia por corrupção eleitoral, coação de eleitor e falsidade documental, o próprio Cajado recorreu à Justiça para que fosse extinto até o registro da representação criminal contra ele. Como esperado, o Supremo Tribunal Federal (STF) não deu ouvidos à tentativa do parlamentar de restringir o acesso à informação.

Legislação — Embora Cajado tenha decidido negociar diretamente com o Google a manutenção ou não de vídeos ofensivos contra parlamentares, o Supremo Tribunal Federal já chamou para si a decisão de definir de uma vez por todas se empresas que hospedam sites na internet têm de fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando for considerado ofensivo – ao menos até a votação do Marco Civil da Internet. Em um processo sobre o qual incide o instituto da repercussão geral, que prevê que a decisão do STF será aplicada a todos os casos semelhantes, os ministros da corte vão decidir exatamente se é preciso ou não haver intervenção do Judiciário para a retirada de textos e vídeos considerados caluniosos.

Em resumo, toda a ofensiva de Claudio Cajado contra o Google, independentemente do resultado, pode ser inócua, já que a palavra final caberá, como se espera, à mais alta corte do país. Para o gigante da internet, que integra a ação com repercussão geral a ser julgada pelo Supremo, “um dos principais e mais respeitados deveres é justamente o de não monitorar e não censurar as informações armazenadas em seus servidores”. O procurador rebate: “A internet tem que ser livre, mas temos que ter o controle sobre os atos criminosos e incorretos para que haja o direito de resposta ou a reparação por aquele que praticou o crime.”

O Ministério Público Federal, que atua na discussão da responsabilidade dos provedores de internet sobre os conteúdos veiculados em suas plataformas, diz que não pode haver censura prévia das manifestações veiculadas na rede sob pena de se ferir o princípio da liberdade de expressão. O subprocurador-geral da República Wagner de Castro Mathias Neto, responsável pela manifestação do MP contra o Google, avalia, no entanto, que o provedor tem a obrigação de coibir a veiculação de informações caluniosas assim que for informado. Caso contrário, “estará atuando com evidente culpa e sua responsabilidade será solidária com o autor do conteúdo”.

É imprescindível ressaltar que um deputado federal deve ter proteção contra excessos, especialmente quando os ataques são anônimos. E essa proteção já é prevista em lei. Se a Procuradoria da Câmara não fechar um acordo com o Google, o órgão usará seu corpo jurídico — e dinheiro público — para brigar em defesa dos congressistas.

Como aos olhos da Justiça brasileira o direito individual deve prevalecer sobre a garantia de liberdade de expressão e de acesso à informação, em um cenário como esse, os deputados não só levariam a melhor, como ainda poderiam ser indenizados financeiramente.

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