Almir Carlos*
É domingo na Vila de São José da Barra do Rio Negro. Olho para o relógio do meu celular: 10:30h, sol causticante, estou na Avenida Sete de Setembro. Dou rédeas à imaginação! Volto no tempo! Manaus, 1965 – Avenida Sete de Setembro, à altura do Palácio Rio Negro, dir-se-ia antigamente, Segunda Ponte. A molecada começa sua diversão favorita: Saltos para o Igarapé!
Era uma brincadeira das mais perigosas e ao mesmo tempo muito divertida, testando a coragem, a adrenalina e a habilidade de quem se arriscava a pular.
Saíamos do Colégio Dom Bosco, onde estudávamos, pegávamos a Rua Governador Vitório e logo a seguir, a Sete de Setembro, próximo a Praça da Prefeitura. Seguíamos todos a pé por essa Avenida, éramos seis; passávamos pela Câmara Municipal, pelo Banco da Lavoura, pela Casa 22 Paulistas e atravessávamos em frente ao Grande Hotel por onde seguíamos pela calçada até a Eduardo Ribeiro.
Em frente a Quatro e Quatrocentos, depois Lobrás, passávamos pelo Chico Preto e a seguir pela Biblioteca Pública, onde por diversas vezes entramos para apreciar na Pinacoteca, nos altos, as belas Obras do Grande Mestre e Artista, Moacir de Andrade, que inclusive foi meu Professor de Desenho.
Chegávamos ao Colégio de D. Pedro II, nosso Colégio Estadual. Atravessávamos para a Praça da Polícia, onde vagávamos pelo Coreto, pela Pontezinha com um belo chafariz. Passávamos em frente ao Café do Pina onde algumas vezes, quando o dinheiro dava, saboreávamos o delicioso cafezinho servido no local, observados pelo Seu Pina, que ficava no caixa.
A seguir passávamos em frente ao Cine Guarany, parávamos para ver os reclames e depois íamos até o Cine Polythema, para checar os filmes; andávamos um pouco e mais à frente alcançávamos o Canto do Quintela (Esquinas das Avenidas Sete de Setembro/Joaquim Nabuco), onde por muitos anos funcionou o Supermercado Casas do Óleo.
Alcançávamos a Primeira Ponte, no Igarapé de Manaus, ficávamos alguns minutos observando o belo panorama que se nos apresentava e seguíamos um pouco mais… Passávamos em frente ao majestoso Palácio Rio Negro e chegávamos à Segunda Ponte, onde começaríamos nossas acrobacias.
Ao chegar, começávamos a tirar nossas fardas e ficávamos só de shorts. Alguns moleques da redondeza, já estavam saltando e ai começávamos nossas exibições.
Um de nós ia para o outro lado da rua e ficava observando atentamente o movimento no Igarapé. Enquanto isso um de nossos colegas ficava em cima do parapeito da Ponte esperando o sinal, porém, antes perguntava:
_ Vem canoa?
O garoto que ficara de vigia gritava:
_ Não!
Era a senha para que o garoto-acrobata se soltasse no vazio até alcançar as águas geladas e límpidas…aplaudido por todos que ficavam na plateia! Boiava e nadava até a margem, subia o barranco e voltava para a Ponte, onde esperava sua vez de saltar novamente. Eram momentos de muita algazarra, coragem e diversão pura.
Dentre esses, um menino franzino e medroso de salta,r entrava na brincadeira, mas preferia ficar só como “olheiro”, nunca pulava: estudante do Colégio D. Bosco e residente na Av.Waupés, hoje Castelo Branco, próximo ao mercado da Walter Rayol, na Cachoeirinha, hoje o jornalista Osny Araújo, esse mesmo que dirige este site no qual escrevo, nos alertava e assim não corríamos o risco de saltarmos em cima de uma canoa.
Não me lembro de nenhum incidente que tenha ocorrido por causa desses saltos. Sei de mortes por afogamento, mas, isoladas e com ninguém do nosso círculo de amizade!
Vale a pena ressaltar, que não existiam ainda, aqueles casebres todos que foram retirados pelo PROSAMIM; as águas não eram poluídas e o Igarapé era bem mais caudaloso que esse de agora. Não tínhamos problemas com lixos jogados n`água, até porque, como citei, não havia moradias, pelo menos não nessa quantidade que existia até há bem pouco tempo.
Manaus era uma cidade sem invasões, sem atropelos de trânsito e sem camelôs. Podia-se andar tranquilamente por qualquer artéria do Centro e podia-se contemplar as belas fachadas dos prédios antigos (o que não se vê hoje em dia) e todos se cumprimentavam, todos se conheciam, pelo menos “de vista”. Alguns mais antigos dizem que para se encontrar hoje antigos moradores, amazonenses, só em velórios, enterros e Bodas de Prata ou de Ouro.
Infelizmente, é a pura realidade. Manaus “tufou”, não cresceu, agigantou-se, não evoluiu. Sou um dos poucos que até hoje, ao comparar a Manaus de “ontem” com a Manaus “de hoje”, afirma sem pestanejar, que a Zona Franca fez mais mal do que bem, àquela pacata cidadezinha situada ao lado esquerdo do coração do Rio Negro e quiçá, a tão propalada Copa do Mundo, não deixe apenas a “borra”, o lixo social, que temerosamente tenho receio de que aconteça.
Sem pessimismo, apenas realisticamente pergunto: O quê nos deixará de positivo este Evento Esportivo? Sei que o tempo não para e nem volta, que nossa infância passou, que nossa Manaus mudou, explodiu, transformando-se numa Metrópole barulhenta desordenada, desorganizada e maltratada pelos governantes… mas, ainda posso chegar no espaldar da Ponte, o que fiz a semana passada, fechar os olhos, deixar a mente vagar e ouvir:
_Vem canoa!
*Almir Carlos é pedagogo, professor e escreve neste Portal histórias e estórias da Manaus antiga.
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