Especial: Teatro Amazonas, 120 anos

O majestoso Teatro Amazonas, comemora amanhã, 31, 121 anos de inauguração e orgulho para o Amazonas. Outras fotos do monumento amazônico, a seguir

Ao longo deste ano que estamos encerrando, o Governo do Estado, através a Secretaria da Cultura, cumpre até março do ano que vai começar um extensa, e rica e variada  programação cultural, em comemoração aos 12o anos do majestoso Teatro Amazonas, construído no coração da da Selva amazonítica, orgulho dos manauaras.

Inaugurado em  31 de dezembro de 1896, o majestoso  Teatro Amazonas, no coração da selva amazônica, em Manaus, conhecido no mudo inteiro sem nenhuma duvida um do mais belos teatros do mundo, é, sem dúvida, a obra arquitetônica mais destacada e um dos símbolos da capital amazonense, lembrança do cultuado período áureo da borracha, já passou por reformas e restaurações em seus quase 120 anos.

A construção em tom rosa-terroso e com detalhes em creme se destaca geograficamente sobre o conjunto arquitetônico do Centro Histórico, pois foi instalada sobre uma pequena colina. Mas a valorização não decorre apenas dessa localização privilegiada ou do porte monumental do edifício, com suas fachadas e interiores profusamente decorados.Leia Mais

A cúpula colorida é um elemento destacado na paisagem que já foi muito verde, mas que, mesmo nos dias atuais, entre edifícios modernos, facilita a localização do teatro desde variados pontos da cidade. Contudo, sem prejuízo desses aspectos materiais, o Teatro Amazonas é também um significativo elemento da memória e da identidade local.

Até o fim do período monárquico (1889), a província do Amazonas mantinha-se em situação de pobreza, praticamente isolada no meio da selva amazônica, sem recursos e sem braços para explorar suas riquezas naturais. Nessas condições, não conseguia atrair os investidores.

A capital era marcada por uma paisagem bucólica, definida por suaves colinas e por farta vegetação dispostas pelos quintais e pelas margens dos muitos igarapés que recortavam a cidade em pequenos bairros. Suas ruas irregulares e interrompidas eram esburacadas e forradas de capim. O conjunto arquitetônico era insignificante, destacando alguns poucos exemplares no estilo neoclássico tardio.

A construção de um teatro na mais longínqua província do Império brasileiro era uma reivindicação quase tão antiga quanto à construção do palácio do governo. Um sonho alimentado por décadas de restrições financeiras, mas insistentemente solicitado como um complemento importante à educação.

Depois de veementes embates na Assembleia Estadual e superados alguns entraves burocráticos, finalmente, em novembro de 1882, escolheram a proposta elaborada pelo Gabinete de Arquitetura e Engenharia Civil de Lisboa para a construção de um teatro em alvenaria em Manaus.

Somente em 1883 foi iniciada a construção do Teatro Provincial. Contudo, no ano seguinte, problemas como entraves burocráticos, falta de verbas e carência de mão de obra forçaram a paralisação da construção, que durou dez anos.

A partir da última década do século XIX, no entanto, alguns acontecimentos contribuíram decisivamente para transformar todos os segmentos da região e realizar muitos dos sonhos provinciais.

Proclamação da República

Com a Proclamação da República, o Estado do Amazonas passou a gozar de uma situação privilegiada, tendo como usufruir das autonomias política e administrativa garantidas pela nova Constituição Brasileira e pelas reservas naturais que, por sua vez, condicionavam os empréstimos.

A economia extrativista da região, antes insignificante, rapidamente ganhou impulso com a exploração dos seringais (Hevea brasiliensis) nativos para obter goma elástica, conhecida como látex ou borracha.

A valorização do produto crescia à medida que se ampliavam as demandas e o interesse das indústrias europeias e norte-
americanas, sobretudo com o desenvolvimento do setor automobilístico.

A migração de expressivo contingente de trabalhadores nordestinos e a abertura de portos às nações amigas permitiu que se instalasse um sistema de coleta e transporte da produção até os centros importadores.

Os excedentes econômicos favoreciam investimentos públicos e privados, em geral aplicados em obras de melhoramentos na capital do estado.

O visionário Eduardo Ribeiro

Destaque para a administração do visionário governador Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900). Jovem, mulato, militar, maranhense, sem nome importante e sem fortuna, era, contudo, bacharel em Matemática e Ciências Física Naturais na Escola Militar no Rio de Janeiro. Sua atuação foi decisiva para a mudança da imagem da cidade e sua inserção no universo da belle époque.

Obras urbanísticas e arquitetônicas de grande formato ganharam destaque no Plano de Embelezamento implantado pelo governador Ribeiro. Destacam-se as construções do Teatro Amazonas, do Palácio da Justiça e do Palácio do Governo.

A fachada do Teatro

A malha urbana foi ampliada e ordenada a partir de um desenho regular, como um tabuleiro de xadrez. Ruas e calçadas foram regularizadas com paralelepípedos de granito e ladeadas com passeios revestidos de pedra lioz. Praças foram embelezadas com ajardinamento e instalação de fontes e de elementos decorativos.

Teve início a implantação de vários serviços públicos, como os de distribuição de água, rede de energia elétrica e iluminação pública, além das redes de telefone e telégrafo e da instalação de uma linha de bondes.

A aplicação do plano pode ser interpretada como uma tentativa clara de redefinir os espaços urbanos e de propor nova visualidade para a capital do estado, mais de acordo com as aspirações locais.

O Teatro Amazonas, ainda por concluir, cercado de quintais cobertos de vegetaçã, e a abertura da avenida do palácio, com obras evidentes, revelavam que naquele momento a cidade de Manaus se transformara abruptamente e ganhava aparência de canteiro de obras. Faltando vários reparos, o teatro foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com a apresentação da Companhia Lírica Italiana.

A construção do Teatro Amazonas consumiu grande parte dos recursos destinados aos melhoramentos da capital, mas atendia aos aspectos promocionais da região.

Sua arquitetura monumental materializava as tendências mais evidentes do ecletismo, ou seja, agregou elementos de diferentes vocabulários estilísticos e históricos em uma mesma obra, além da aplicação de variados materiais

A sala de espetáculos

A obra ilustra ideias do seu tempo, como a liberalidade estilística, que justifica algumas opções aplicadas em sua construção. Os gastos incorridos nas obras públicas eram justificados como um investimento de retorno imediato, pois se acreditava que funcionavam como propaganda eficaz para desfazer a imagem negativa que divulgava a região como um lugar inóspito e inseguro, reduzindo os interesses de investidores e trabalhadores pela região.

Quando o governador Eduardo Ribeiro deixou a administração, em 1896, parte das obras estava inconclusa. Ainda assim ele teria afirmado: “Encontrei uma pequena aldeia e transformei-a em uma cidade moderna”.

Essa frase de efeito faz sentido, pois, durante sua administração, foram implantadas praticamente todas as obras que viriam a caracterizar a prosperidade do período.

Em pouco mais de uma década, a imagem do povoado bucólico e modorrento foi substituída pela de uma paisagem urbana, animada pelo forte ritmo comercial e por uma efervescente vida noturna.

Essas situações exigiram mudanças substanciais no comportamento das novas populações e repercutiram em todos os segmentos sociais, gerando a imagem de um centro moderno, branco e cosmopolita.

Papel destacado

O Teatro Amazonas desempenhou um papel destacado nesse cenário de centro urbano moderno. Enquanto a estrutura geral apresenta forte influência das construções clássicas, as decorações externa e interna não mantêm qualquer fidelidade com as ordens gregas, mesmo que remetam a quase todas elas.

Sobretudo na aplicação dos elementos heterogêneos que decoram os capitéis (partes superiores de uma coluna) das colunas de ambos os ambientes, mas também em outros pontos, como o frontão (acabamento entre o teto e as portas) curvo e de aspecto barroco ou a polêmica cúpula de ferro e vidros vermelhos e azuis. Revestida com telhas vitrificadas em verde, amarelo, azul e vermelho, ela evidencia a opção pelo ecletismo.

Apesar das reformas e restaurações sofridas e de alguns excessos ornamentais, a decoração do interior do teatro ainda corresponde ao gosto da época, mas sem deixar de ser harmônico.

O hall de entrada é o ambiente mais moderado, com piso e colunas revestidos de mármore claro, e ostenta uma decoração bastante singela, restrita praticamente às colunas.

No entanto, tais características são relativamente recentes: o ambiente foi totalmente refeito na reforma de 1974, quando se substituiu a exótica decoração instalada na reforma de 1929.

Lira ou ferradura

A sala de espetáculo apresenta uma planta baixa no formato de lira ou ferradura, tendo ao centro a plateia e em suas laterais quatro níveis elevados e compostos de camarotes ou frisas.

No nível da plateia há maior concentração de elementos decorativos em colunas que exibem capitéis com volutas (ornamento em espiral) jônicas e em estandartes no formato de lira, decorados com mascarões (carrancas decorativas) e cartelas que homenageiam celebridades históricas da literatura e do teatro e sustentam as luminárias de formato vegetal.

Nos demais pavimentos, os capitéis das colunas são decorados com elementos decorativos pouco estilizados, mas que sugerem um comprometimento com a ordem coríntia greco-romana.

No teto, sobre a plateia, destaca-se um grande painel circular composto de várias telas que foram pintadas em Paris, na Casa Capezot. Elas são alegorias de música, dança e tragédia, além de uma homenagem a Carlos Gomes, todas dispostas sob uma representação da Torre Eiffel vista de sua base. Do centro da pintura pende o grande lustre de ferro batido, decorado com elementos vegetais.

Em torno do palco, a profusão de elementos decorativos integra temas e materiais diversos em estuques (ornamento feito com massa), tecidos e latão que chegam a roubar o foco dos espetáculos.

Chamam a atenção as esculturas de cariá-
tides (figuras humanas que sustentam colunas) e as máscaras e mascarões de aspecto barroco, além dos querubins rococós dispostos entre festões com motivos vegetais e com florais policromados em rosa, dourado, verde e vermelho.

O palco tem uma parte móvel, capaz de abrigar uma pequena orquestra, e se fecha com um pano de boca atribuído ao artista pernambucano Crispim do Amaral, cujo tema é uma alegoria ao encontro das águas.

O Salão Nobre

O Salão Nobre do teatro foi inicialmente denominado Salão de Honra e teve sua decoração contratada junto ao artista italiano Domenico De Angelis, que trouxe parte de sua equipe de Roma e usou a participação de um pequeno grupo de artistas que atuaram diretamente nas diversas obras elaboradas na sala.

O Salão Nobre é o recinto mais luxuoso do teatro, mas sua decoração chega a ser excessiva: pinturas variadas cobrem todas as paredes, o teto e as cantoneiras dos arcos no mezanino, e detalhes em mármore e em estuques coloridos se misturam e decoram vários pontos. Os lustres de Murano se destacam pelo exuberante colorido e pela infinidade de detalhes que iluminam o salão.

No teto, uma preciosidade rara é a pintura A Glorificação das Belas Artes na Amazônia, assinada por De Angelis em 1899.  No entanto, embora a autoria das nove telas fixadas nas paredes laterais também seja atribuída ao artista, há controvérsias graças a indicativos de que teriam sido realizadas em Roma, no ateliê do pintor Capranesi, e possivelmente confeccionadas a partir de cartões assinados por De Angelis.

Bustos

O ateliê do escultor Enrico Quatrinni produziu o conjunto de oito bustos em gesso, representando músicos e literatos brasileiros.
O elaborado desenho geométrico em parquê (tipo de assoalho), que decora o piso do salão, foi confeccionado em nogueira, carvalho, bordo e mogno a partir do projeto de De Agelis, datado de 1899. Porém, a mobília, contratada e confeccionada pela Marcenaria Brasileira, no Rio de Janeiro, só foi instalada em 1901.

As características decorativas aplicadas ao teatro tendem para um classicismo italiano tardio com alegorias escultóricas e pictóricas animadas pelos excessos dispersivos do rococó. Tradições distanciadas da realidade nacional, mas intensamente reproduzidas em grande parte das cidades brasileiras. Em Manaus, elas constituíam uma clara ostentação de luxo e prosperidade, em uma tentativa de impressionar e de sugerir uma sociedade erudita.

Não se pode ignorar que, através do tempo, a obra ganhou inúmeros significados e naturalmente tornou-se uma forte referência da história e da identidade cultural da cidade.

Nos últimos anos, o uso do teatro intensificou-se a partir da criação da Orquestra Filarmônica, do Corpo de Baile, do Coral e de outros segmentos artísticos que participam dos festivais de ópera, cinema, jazz e teatro, e que animam outros eventos promovidos pelo governo do estado.

Amazpmoamsde/SEC/Otoni Moreira de Mesquita é Professor no Departamento de Artes da Universidade Federal do Amazonas, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense e autor de Manaus:
História e Arquitetura – 1852/1915 e La Belle Vitrine: Manaus, uma Cidade entre Dois Tempos – 1890-1900.
** Publicado originalmente em Carta Fundamental 

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