Unicamp viaja 3,5 mil km para ampliar inclusão de indígenas com vestibular inédito em S. G. da Cachoeira

Cidade de S. G. da Cacoeira, alto io Negro, Amazonas

Pela 1ª vez uma universidade pública paulista vai tão longe com processo seletivo específico de cotas. G1 acompanha comissão até São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade mais indígena do país.

Amazonas – Uma comitiva da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) embarcou nesta terça-feira (27) no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), para uma viagem histórica até o município de São Gabriel da Cachoeira (AM), o mais indígena do Brasil.

A cidade amazônica e outras cinco pelo Brasil receberão no próximo domingo (2) o primeiro vestibular indígena da universidade.

Pela primeira vez, a Comvest percorre a distância física de 3,5 mil quilômetros em busca de reduzir distâncias sociais que impossibilitam o acesso mais inclusivo e plural aos bancos da universidade.

 Há vagas

Para isso, foram reservadas 72 vagas em 27 cursos da Unicamp, que serão disputadas apenas por indígenas no exame deste domingo, à parte do vestibular convencional, com edital, prova e calendário específicos.

O processo seletivo, que é parte das políticas afirmativas de cotas adotadas pela Unicamp, teve 610 inscritos, 350 deles em São Gabriel da Cachoeira, cidade no extremo Norte do Amazonas, que, segundo o Censo 2010, tem 76% da população composta por pessoas indígenas.

Indígenas deverão comprovar vínculo com comunidades para disputar vaga no vestibular da Unicamp

Também haverá provas em Manaus (AM), Campinas (SP), Recife (PE) e Dourados (MS).

Total de inscritos: 610Total de vagas: 72

  • Total de cursos: 27

Inscritos por cidade

  • São Gabriel da Cahoeira: 350
  • Manaus: 107
  • Campinas: 84
  • Recife: 45

Viagem

A comitiva embarcou às 8h15 desta terça, e deve chegar ao destino final – cujo acesso só é possível por barco ou aeronave de menor porte -, às vésperas da prova. Até domingo, data do vestibular, a equipe terá a missão de treinar os fiscais, organizar local do exame, fazer contato com as lideranças locais, etc.

Sobre a elaboração, produção, impressão, transporte e armazenamento da prova em si, é realizado um esquema de segurança à parte mantido em sigilo para

Vestibular indígena pra quê?

O coordenador executivo da Comvest, José Alves Freitas Neto, responde a esta pergunta da seguinte forma:

“Pra poder produzir a inserção desses estudantes e permitir que a universidade também os conheça para que a universidade possa ser cada vez mais diversificada do ponto de vista das visões de mundo e que ela não tenha um repertório simplesmente homogêneo”, explica.

Os números ajudam a entender como ainda se está distante deste propósito de diversidade na academia.

Desde 2000, quando a Unicamp começou a divulgar seus matriculados por cor ou raça, o número de pessoas índigenas que ingressou pelo vestibular nunca passou de 17 (2005). A menor taxa foi registrada em 2007, quando só 4 indígenas ingressaram na instituição. Em 2018, foram 7 de um universo de 3.327, ou seja, 0,2% dos calouros. 

No Brasil, no entanto, a população indígena corresponde a 0,43% do total segundo o censo de 2010 do IBGE. Ou seja, para um ingresso que atenda a esta proporção, em 2018, por exemplo, o número de indígenas matriculados na Unicamp deveria ser o dobro do registrado.

 Além dos indígenas, a proporção da população também não é representada entre os ingressantes negros e pardos.  É para atender também a esta demanda, que a Unicamp, além do vestibular indígena, também aprovou política de cotas para autodeclarados pretos e pardos.

 Ingressantes na Unicamp em 2018 por cor ou raça declaradas

Percentual dos matriculados na Unicamp em 2018 (%)68,368,30,20,25518,618,64,24,22,52,51,21,2BrancaIndígenaPretaPardaAmarelaNão declaradoEm branco020406080

O desafio da viagem

Generosidade? Não é bem assim

Apesar de os números exporem uma falha matemática de representatividade étnica nos bancos da universidade, o coordenador executivo da Comvest, José Alves Freitas Neto, explica que a medida de ir tão longe em busca desses estudantes não se trata de generosidade da instituição. Segundo ele, há também um interesse declarado por trás desta medida.

“Nós estamos levando esse vestibuar para buscar esses estudantes, mas a universidade também quer aprender com eles. Tem toda questão das pautas de sustentabilidade, que eles podem nos ensinar muitas coisas; na área de farmácia, na área de exploração desses saberes ancestrais, que sem eles, nós não conseguimos ter acesso”.

 “Dá pra gente inverter a perspectiva: ‘Ah, a universidade é generosa em relação a trazer os indígenas.’. Não! A universidade tem interesses bem diretos”, afirma Neto.

Ele explica que o número de vagas reservadas para indígenas seguiu mais esta lógica de construir uma comunidade indígena “visível” na universidade e respeitando o mínimo de duas vagas por curso para que os ingressantes tenham por perto ao menos uma pessoa com códigos culturais e perspectivas de mundo que se aproximam.

Amazoninarede-G1

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