O fenômeno da mortandade de peixes nos lagos e paranás do município de Manaquiri (a 60 quilômetros de Manaus) –e que pode alcançar a marca de 32 mil toneladas de peixe – tem levado pescadores profissionais e extrativistas a pescar espécies que estão na lista do período de defeso.
Mas, especialistas alertam que a qualidade do pescado da região está comprometida, imprópria para o consumo humano, por conta do excesso de matéria orgânica nas águas, que estão aquecidas em virtude do período de forte calor na região.
Ao percorrer as águas do paraná do Manaquiri até o lago Grande, a equipe do EM TEMPO presenciou inúmeros pescadores manuseando redes e zagaias. Entre os peixes mortos nas águas e nas margens foram encontradas espécies como surubins, pirararas, cuius, roelos, traíras, bodós, acarás, arraias, poraquês e tucunarés.
Conforme o pescador aposentado Luís Freire de Souza, 67, muitos pescadores estavam selecionando peixes ainda vivos, em áreas onde ocorreram densa mortandade, para vender a frigoríficos do município de Manacapuru (a 68 quilômetros de Manaus).
Pescador há 50 anos na região, Luis fez a previsão de que o nível das águas do lago Grande, por exemplo, deverá baixar mais ao ponto de se tornar intrafegável, até o final desta semana, caso não chova na região, o que deve aumentar a mortandade do pescado.
Dentro dessas condições, ele sugeriu que os órgãos ambientais, ao perceberem o período de grande seca no Amazonas, liberem a pesca de espécies incluídas na lista do defeso, antes que inicie o fenômeno que, para ele começou a ficar mais forte desde 2005, quando foi registrada uma das maiores secas dos últimos anos.
O pescador lembrou que, naquele ano, viu na região pela primeira vez uma mortandade de peixes muito grande. Voltou a assistir o fenômeno em 2009 e desde 2012 não via mais.
“Daqui a alguns dias essa água do lago deve acabar. E mais para baixo, mais peixes vão morrer por conta da baixa oxigenação. Os órgãos ambientais deveriam liberar a pesca, antes que os peixes começassem a morrer. Agora muitos de nós estamos catando os peixes vivos para ganhar uns trocados com outros pescadores que vendem para os frigoríficos”, contou.
Desperdício
Com a canoa cheia de surubins, o produtor rural Juciclei Souza Garcia, 26, disse que estava pescando no lago Grande apenas para levar alimento para casa. A zagaia na mão esquerda foi lançada e ele acertou uma pirarara média que tentava sobreviver sobre a densa água cor de lama. Para ele, deixar os peixes morrer por morrer é um desperdício muito grande.
“Tem gente das colônias de pescadores que diz que não podemos pescar. Mas o peixe está morrendo nessa água que está muito quente. Por isso, é melhor pescar logo e aproveitar antes que morra e apodreça”, comentou. “E se a água continuar baixando do jeito que está, vai morrer muito mais”, pontuou.
Pesca deve ser responsável
Para Geraldo Bernardino, não é ético da parte dos pescadores profissionais pescarem um peixe que está morrendo por um problema ambiental. Segundo ele, mesmo os peixes que são pescados vivos nesses ambientes de mortandade podem causar sérios riscos à saúde de quem os consomem.
Bernardino explicou que nesse período o peixe fica impróprio para o consumo porque ele está num estado de estresse ambiental e também porque está contaminado por conta da queda de oxigênio e o alto nível de concentração de matéria orgânica. “Um peixe para ser consumido ele tem uma regra de captura em área de pesca. Tem que ser capturado vivo dentro de uma água própria. Tem que ser pesca sustentável e responsável”, apontou.
Segundo o engenheiro de pesca, preocupa a falta de seleção dos peixes por parte dos frigoríficos, uma vez que os peixes levados a eles chegam dentro de caixas com gelo. “A nossa recomendação é que o pescador profissional e o cidadão comum capturem em tempo adequado os peixes. Caso contrário, ele pode trazer problema seriíssimo dentro do alimento”, disse. “O peixe morto se transforma em matéria orgânica que mais para frente ajuda a melhorar a qualidade dos lagos e igarapés”, observou.
Segundo Joceni Oliveira, os peixes capturados vivos nessas águas são impróprios para consumo in natura. Mas, de acordo com ele, o consumo é possível com a salga dos pescados. “Nós chamamos a salmoura de escalar o peixe para retirar o sabor da lama dessa época”, apontou.
Quando chega no frigorífico, Joceni contou que o peixe se torna viável quando ele é processado para aplicações em salsicha, linguiça, farinha do piracuí e ração. “Há uma seleção por parte dos pescadores dos barcos. No paraná do Manaquiri não se vê barcos de pesca. Mas nas proximidades dos lagos têm grande poços que preservam muitos peixes”, disse. EMTEMPO