O Terrorismo e a lição de voltaire

09-01almirokAlmir Quites*

Pelo menos 12 pessoas foram mortas e 14 feridas no ataque a tiros às instalações do jornal satírico francês Charlie Hebdo, nesta quarta-feira, ontem, em Paris.

Os autores do ataque fugiram. A polícia busca detê-los. Um vídeo mostra dois atacantes com capuzes e um deles grita: “Matamos o Charlie Hebdo! Vingamos o profeta Maomé!”

É hora de retomar as lições do mestre Voltaire. “Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”, está entre as citações mais famosas do filósofo francês. As palavras de Voltaire tornaram-se rapidamente o grito de guerra das pessoas indignadas com o ataque terrorista hediondo na redação do semanário satírico.

O jornal Charlie Hebdo é famoso por alfinetar impiedosamente uma ampla gama de alvos nas esferas política, artística e religiosa. Ele atiçou a ira de muitos muçulmanos com suas repetidas zombarias dirigidas ao profeta Maomé, mesmo sabendo que caçoar do profeta é considerado blasfêmia no Islã. Mas apesar de ser retaliado e ameaçado no passado, Charlie Hebdo permaneceu firme na convicção de seu direito à este tipo de ofensa.

Os fundamentalistas já estão comemorando o massacre como se fosse uma vitória sobre os insultos publicados. Os contumazes detratores dirão que o próprio Charlie Hebdo provocou seu destino sangrento. No entanto, um ressentimento causado por uma descortesia não é justificativa válida para qualquer tipo de violência. Embora o direito à livre expressão não seja absoluto (o discurso do ódio, por exemplo, não deve ser tolerado), ainda assim, para que a liberdade de expressão signifique algo de valor, os limites devem ser definidos de modo muito amplo.

A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. Ela é um requisito indispensável para a própria existência das sociedades democráticas. A sátira, por sua própria natureza, desafia os limites entre o bom gosto e comentário justo, mas precisa ser tolerada. A tolerância à sátira é um dos mais importantes e acurados testes da liberdade de expressão. A sátira deve ser tolerada, mesmo a contragosto, exatamente como argumentava Voltaire.

Este ataque odioso, sem dúvida, testa valores que a França e outras sociedades como o Canadá, levam a sério. Estes valores não se restringem apenas ao direito à livre expressão, mas também à tolerância, a condescendência, a indulgência, a paciência, a transigência, a receptividade, a franqueza, a sinceridade etc.

Os extremistas visam justamente dividir as pessoas em diferentes grupos ou classes, corroer a liberdade, semear o medo e despertar o ódio. Este foi o objetivo comum do terrorista solitário (“lobo solitário”), que matou soldados no Canadá, em dezembro de 2014, e do desequilibrado tomador de reféns no Café da Austrália e também dos terroristas do Estado islâmico na Síria e no Iraque, que divulgam suas ações desprezíveis para incentivar seguidores a atacar de maneira semelhante. Isto acirra o clima de suspeitas infundadas com relação ao próximo, seja por ser considerado de “raça” diferente, ou classe, ou simplesmente por ter opiniões ou crenças diferentes.

Na França, como em outros lugares, mesmo no Brasil, é importante que se resista à influência de forças reacionárias que possam tentar tirar proveito político dos ataques terroristas. A Europa já está perturbada pela política de polarização, por vezes xenófobas, fazendo com que a unidade e a inclusão sejam seus principais desafios, mormente depois deste massacre.

O antídoto para espasmos de violência, seja na França ou no Canadá, é a compreensão e o respeito. É a intensificação da solidariedade para aqueles que são diferentes de nós mesmos. É a busca de uma base comum, para que se possa defender os nossos valores mais preciosos.

O extremismo de uns não deve ser vencido por meio do extremismo de outros, porque quem ganhará serão justamente extremistas.

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