O Canto do Alvorada

13-07almirAlmir Carlos*

O Restaurante Canto da Alvorada, localizado na Rua Comendador Clementino esquina com a Japurá, foi um dos mais famosos estabelecimentos comerciais no ramo de alimentação das décadas de 1960/1970 em nossa cidade. De propriedade do senhor Álvaro Neves, fez parte de nossa infância e de nossa juventude naquela Manaus que engatinhava preguiçosamente em busca do Progresso, até o advento do modelo Zona Franca de Manaus. O Restaurante tinha uma construção bem moderna, abrangendo ambas as ruas, com cobertura em toda a sua extensão e entrada pelas duas artérias e possuindo um reservado com ar condicionado.

Na parte interna à esquerda funcionava o caixa onde na parede tinha uma pintura de um amanhecer no campo e um galo cantando, anunciando um novo dia; mais adiante, a entrada para a cozinha e à direita o balcão, onde comprávamos picolés, sorvetes e refrescos, servidos pela Coly, que segundo alguns colegas, além de uma unheira no dedo médio que nunca sarava, mexia o refresco com o púcaro e o suor que caia de suas axilas, escorria para dentro do tacho, segredo do sabor inconfundível da bebida.

Além do insuperável Filé à Moda da Casa, o restaurante brindava seus frequentadores com uma incomparável bacalhoada e uma deliciosa tartarugada, que faziam a diferença; acompanhamentos de primeira, serviço a La Carte, além de um tratamento diferenciado, vinho servido em canecas e a cerveja estupidamente gelada!

No Restaurante trabalharam figuras que ficaram marcadas em nossa memórias como: Alfredo Mecânico (que ficava fulo da vida ao ser apelidado de Alfredo Caninha e que certa vez passou graxa nas costas Mário Sacy). A história foi a seguinte: O Alfredo estava consertando um caminhão da Skol(Cerveja que o Seu Álvaro era o Representante em Manaus)e o Mário Mucurão falou: -Alfredo Caninha! Ele saiu de debaixo do caminhão com a mão cheia de graxa e o primeiro que ele viu foi o Luiz Mário, que vinha da aula do Grupo Escolar Ribeiro da Cunha.

O Alfredo não contou conversa: passou sua mão abarrotada de graxa nas costas do Mário, deixando seu jaleco todo sujo…o Mário reclamou, vociferou impropérios, mas, de nada adiantou, o Alfredo já estava longe…Chico Bolão, Seu Jerônimo,uma espécie de faz tudo no Restaurante, Forasteiro(que depois montou um Bar muito conhecido na Marcílio Dias e que levava seu nome).

Algumas personalidades marcantes de nossa cidade nas diversas áreas de atuação, ,frequentavam o Canto da Alvorada, assim como , muitos artistas e cantores famosos do país que vinham se apresentar em Manaus, também faziam suas refeições lá. Lembro muito bem de Jair Rodrigues, que ficara hospedado no Hotel Alvorada e que jogou futebol no meio da rua conosco, Nélson Ned, Evaldo Braga, Jerry Adrianni, Leno e Lílian, a Seleção Olímpica de Futebol, com Manuel Maria e Ferreti; lembro de Amazonino Mendes, sempre com amigos bebendo e conversando alto, Josué Cláudio de Souza, tomando uma XPTO, acompanhado de seu inseparável cigarro, Phillipe Daou, Umberto Calderaro, Andrade Neto, Evandro Carreira, Arthur Virgílio Filho, Domingos Mourão, Mário Frota, Fábio Lucena, Raimundo Aleixo, Félix Valois, Raimundo Valois, Padre Nonato, João Valente, Tude Moutinho, Maria de Lourdes Archer Pinto (que fazia sempre encontros e confraternizações no local), Jonas Martins Lopes, João Bosco, Serafim Corrêa, Josué Filho, a figura simpaticíssima do Coronel Jorge Teixeira, Escritores, Políticos, Magistrados, Professores, Médicos famosos como o Dr. João Lúcio e o Dr. Theomário Pinto da Costa, enfim…o Alvorada era o restaurante Top de nossa cidade.

Ao lado do restaurante, ficava a casa do Cascais, coronel aposentado e Professor do Colégio Brasileiro; depois da casa dele, a oficina do Restaurante e uma espécie de despensa, onde também desembarcavam gigantescas tartarugas para servir no cardápio da semana. Algumas tartarugas eram tão grandes, que nós a montávamos e elas nos levavam por alguns metros sobre seus cascos…era para nós, uma diversão sem igual, um acontecimento em nossa rua…

Aos sábados, o Alvrinha (Guabiru), filho do Seu Álvaro, passava com o motorista na Kombi e nos pegava para irmos a diversos açougues de Manaus buscar peças de filés para o Cardápio da Semana. Começávamos nossa peregrinação mais ou menos às 09:00h, pelos bairros mais distantes: Educandos, Santa Luzia, Morro da Liberdade, Betânia, Cachoeirinha, Praça 14 de Janeiro, Boulevard Amazonas, até mais ou menos 16:00h, quando retornávamos ao Restaurante.

Vale ressaltar, que em cada açougue, enquanto esperávamos o açougueiro “limpar” as peças, nós íamos ao bar mais próximo “tomar uma”…imaginem quantas cervejas eram ingeridas por nós, em todo esse percurso… um verdadeiro “rolé” por toda a cidade. Dessa maneira, ficamos mais conhecidos que farinha do Arini e conhecemos quase todos os bares espalhados por nossa Manaus querida…

Outro acontecimento marcante e que já contei em outro artigo sobre a Comendador Clementino, foi a comemoração da conquista do Bi Campeonato de Futebol no Chile, pelo Selecionado Brasileiro: muitos fogos, bebida à vontade, torcedores vibrando e bebendo ao som de sambas, confetes e serpentinas caindo nos copos dos bebedores que nem ligavam e pediam mais uma ao Orlando ou ao Mafra, garçons muito queridos e atenciosos que geralmente por suas eficiências saíam com polpudas gorjetas ao final do expediente. Eu garoto ainda a tudo observava e fiquei com a imagem marcada em minha mente, daquela conquista inesquecível do Escrete Canarinho, comandado pelo Anjo das Pernas Tortas: Garrincha!

Hoje, no lugar desse Estabelecimento, funciona a Construtora Capital e do outro lado da rua, no estacionamento da Empresa, era nosso campinho de peladas e onde nasceu o São Paulo Futebol Clube, time que o Seu Álvaro apadrinhou e trouxe da Capital Paulista, um uniforme completo para nosso time…O Canto da Alvorada fechou suas portas, encerrou suas atividades, mas, não deixou de povoar nossas mentes e nossos corações pois era o local onde Manaus pulsava, onde aconteciam as decisões políticas e sociais e onde se encontravam as principais personalidades de nossa querida cidade cabocla, brejeira e provinciana, sem interferência do avassalador progresso que se alastrou, a partir da implantação do Modelo Zona Franca de Manaus…

*Almir Carlos é professor, pedagogo e escreve nete postal histórias e estórias da Manaus antiga.

Obs: Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião do Portal.

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