Rio – Investigações iniciadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) em 2010, com base em auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) no período de 2008 a 2014, levaram a Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Cidadania a ajuizar ação civil pública contra a Petrobras e a Construtora Andrade Gutierrez por improbidade administrativa.
O objeto da ação são quatro contratos para reforma do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) e construção do Centro Integrado de Processamento de Dados (CIPD) da estatal, na Ilha do Governador, zona norte da capital fluminense, que mostram irregularidades, incluindo superfaturamento. Ao todo, estão sendo investigados pelas promotorias do MP-RJ oito contratos. Dos quatro restantes, dois envolvem a empresa UTG, e os outros englobam consórcios de empresas.
Segundo informou a titular da 6ª Promotoria de Justiça de Tutela de Defesa da Cidadania, Gláucia Santana, o Ministério Público conseguiu apurar que “em quatro contratos firmados entre a Petrobras e a Andrade Gutierrez, diversos desvios ou falhas nas contratações, na precificação e orçamentação dos projetos foram encontrados”. As falhas vão desde a quantificação errônea dos resíduos que teriam de ser retirados das obras do Cenpes, até o valor final do metro cúbico de entulho que teria de ser removido.
A investigação descobriu superfaturamento de R$ 31 milhões, que corresponderia a apenas uma parte do contrato, cujas obrigações foram repassadas pela ganhadora original da licitação, a Cogefe- que faliu -, à Andrade Gutierrez. Esta, por sua vez, assumiu outros três contratos com a Petrobras, graças ao Decreto 2.745/1998, que autoriza a Petrobras a fazer licitação de forma simplificada, o que não ocorre com as outras estatais. Do mesmo modo, apontou que os contratos, objeto da ação, tiveram apenas uma empresa beneficiada: a Andrade Gutierrez.
Gláucia Santana disse que as obras referentes aos quatro contratos foram colocadas para serem contratadas, sem estar devidamente preparadas do ponto de vista do detalhamento, do orçamento ou da precificação. Ela acredita que se essas providências tivessem sido tomadas, as fraudes ou falhas teriam sido evitadas. “A gente acredita que com adequação dos métodos internos, isso seria evitado. E se há um planejamento da empresa para longo prazo, que isso seja seguido, se há uma obra a ser executada daqui a xis anos, que desde já se comece a preparar. Que não se deixe o momento político determinar a hora da contratação”.
Segundo a promotora, as decisões eram tomadas pela Diretoria de Engenharia, comandada à época pelo ex-diretor Renato Duque, citado na Operação Lava Jato. Destacou que durante as auditorias do TCU, o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, impôs uma série de obstáculos à fiscalização e à verificação dessas falhas. Citou entre os principais entraves impostos por Gabrielli não abrir, para os auditores, acesso aos documentos, não fornecer as senhas para que os sistemas fossem examinados com o valor real de cada item contratado ou entregar documentação com formatação que não permitia ao TCU aferir a fórmula usada para chegar ao preço contratado.
Ela acrescentou que também não havia interlocução direta com os responsáveis pelos contratos. “Havia sempre um interlocutor que dificultava o acesso aos documentos”. A promotora deixou claro, contudo, que não houve nenhum entrave colocado pela atual direção da Petrobras para a auditoria do TCU, concluída este ano.
Como gestor maior da empresa, José Sérgio Gabrielli é considerado, na ação – junto com os demais réus -, responsável pelas contratações feitas sem planejamento, com orçamentos com sobrepreço e, no final, com pagamentos superfaturados, salientou Gláucia. Entre os demais réus, estão a Construtora Andrade Gutierrez, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente executivo de Serviços e Engenharia da Petrobras Paulo José Barusco Filho, e mais cinco ex-funcionários da estatal.
A ação pede a quebra dos sigilos bancário e fiscal das pessoas e empresas citadas, “para ver se houve alguma tramitação para as mesmas pessoas jurídicas e físicas, envolvidas nos fatos que estão sendo investigados (pela força-tarefa integrada pelo Ministério Público do Paraná e pela Polícia Federal) na Operação Lava Jato”.
A promotora esclareceu que, de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa, se forem condenados, os réus deverão ressarcir o patrimônio da Petrobras, pagar multas civis e danos morais coletivos. “Nós estamos também sustentando que o povo brasileiro está envergonhado, e essa vergonha decorre do desmando ou da falta de respeito desses gestores com a nação brasileira”. A promotoria pede também a perda de função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público e de receber incentivos fiscais.
O superfaturamento já identificado alcança R$ 31,4 milhões, mas Gláucia Santana admitiu que “como o TCU está dando continuidade à abertura de tomadas de contas especiais”, esse valor pode ser ampliado. O MP-RJ avalia que houve licitação simulada em alguns contratos. Em uma delas, que visava a retirada de entulho das obras da Petrobras, na Ilha do Governador, a concorrência foi aberta e concluída em apenas seis dias.
O primeiro contrato foi fechado entre a Petrobras e a Cogefe, após negociação, pelo valor de R$ 57 milhões. Desse total, R$ 31 milhões foram transferidos pela Cogefe para a Andrade Gutierrez “por cessão de obrigações”. E aí, “com os contratos que sobrevieram após esse primeiro, o valor chegou a R$ 133 milhões, quase cinco vezes mais do que a Andrade Gutierrez recebeu inicialmente”, denunciou Gláucia.
Só para dar uma ideia das fraudes praticadas nesses contratos, a promotora informou que uma caixa de passagem de fios elétricos, avaliada pelo mercado em R$ 13,66, na planilha da Petrobras mostrava valor de R$ 1.572,96. “As obras da Petrobras já eram orçadas com sobrepreço”, comentou.
A ação pede também a declaração de inconstitucionalidade de normas que desobrigam a Petrobras de cumprir a Lei de Licitações. Os promotores vão ouvir os integrantes da Comissão de Licitações da Petrobras, que poderão também, eventualmente, ser investigados e responsabilizados pelo crime de improbidade administrativa. Em relação ao ex-diretor Renato Duque, Gláucia assegurou que “ele não tem colaborado”. As investigações efetuadas serão repassadas ao Ministério Público Federal para verificar o caso na esfera criminal.
Amazonianarede – Agência Brasil