Indenizações da ditadura excluem os ‘sem partido’

Brasília – A política de indenizações por mortes e torturas cometidas pela ditadura também exclui os participantes da resistência sem vínculos a centrais sindicais.

A política de indenizações por mortes e torturas cometidas pela ditadura exclui os participantes da resistência sem vínculos, no passado e no presente, a partidos e centrais sindicais. Pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos mostra que só vítimas ou famílias de mortos que, a partir da redemocratização, migraram de organizações clandestinas para sindicatos ou novas legendas de esquerda conseguiram a reparação do Estado.

O estudo Camponeses Mortos e Desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição, que será divulgado nesta semana, já é motivo de debate no governo e poderá influenciar a política de reparação.

Coordenada pelo ex-preso político e fundador do PT Gilney Viana, do projeto Direito à Memória e à Verdade, a pesquisa mostra que, dos 51 pedidos de indenização de famílias de camponeses assassinados, a Comissão de Mortos e Desaparecidos só deferiu 29 que provaram a “militância político-partidária” do parente. Os 22 pedidos recusados eram casos de pessoas sem partidos.

Uma soma de 602 camponeses mortos ou torturados foi listada como “excluída” das indenizações. Estima-se que, dos 73 mil pedidos de anistia julgados ou em tramitação, só 5% são da área rural, onde há menos militância partidária. “Quem participou de movimentos políticos organizados ou se lançou na política depois teve mais facilidade de acesso aos benefícios das Leis dos Mortos e Desaparecidos e da Anistia”, afirma Viana.

A polêmica sobre a exclusão dos camponeses na política de reparação de vítimas da ditadura não se limita à rede de direitos humanos formada nas cidades, que deu prioridade a famílias dos mortos e torturados oriundos sobretudo da classe média. Viana diz, em tom diplomático, que o estudo é uma “curva por fora” no caminho trilhado pela esquerda, da qual ele mesmo faz parte.

O estudo vai na contramão da nova estratégia dos partidos chamados de esquerda de se aproximarem do agronegócio, uma das fontes tradicionais de financiamento das siglas de direita. Enquanto PT e PC do B dão uma guinada ruralista, o estudo da Secretaria de Direitos Humanos resgata o papel de lideranças de movimentos populares no campo no tempo da ditadura.

Viana pondera que a esquerda não impediu o acesso de pessoas sem vínculos partidários aos benefícios, mas destaca que não houve “esforço” para que as comissões atendessem aos pedidos de camponeses sem partidos políticos. Ele ressalta que a legislação da anistia, iniciada pelos militares, induziu à política que priorizou pessoas de partidos. No caso do benefício da Anistia, servidores públicos e militares tiveram facilidade de obter os benefícios, assim como ex-presos políticos e familiares de mortos, quase todos das cidades.

Boa parte dos camponeses excluídos das indenizações foi vítima da repressão “terceirizada”. A ditadura tirou de cena os agentes do Centro de Inteligência do Exército (CIE) e delegou poderes para milícias privadas e polícias.

Governadores da oposição ao regime recorreram aos generais de linha-dura para comandar as polícias. Um dos casos emblemáticos é a revolta de agricultores de Viseu, no Pará, no começo dos anos 1980.

A repressão contou com um agente do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), James Sylvio de Vita Lopes, e a polícia do então governador Jader Barbalho (PMDB). Quando militantes das cidades buscavam reparação por danos sofridos na ditadura, os do campo enfrentavam fazendeiros. “Os que estavam na cidade faziam política e os de lá continuavam em guerra”, observa Viana. “Os partidos de esquerda são eminentemente urbanos.”

Durante a redemocratização, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), braço político no campo da esquerda da Igreja Católica, ficou sozinha no apoio a movimentos sertanejos. Por interesses imediatos, a CPT focou na “luta de classes”, enxergando como inimigos os fazendeiros mandantes de crimes, sem vinculá-los, no entanto, a uma rede central de repressão.

Exclusão

“O que não se justifica é que, passado tanto tempo, não se dê a devida importância para o problema da exclusão de camponeses e de pessoas (sem vínculos partidários) nas cidades”, diz. “Não importa se o militante é do partido A, B ou C, mas o fato de o regime militar o ter identificado como inimigo.”

Em 2002, quando a Lei da Anistia foi alterada no Congresso para aumentar o número de benefícios, as centrais sindicais fizeram pressão para atender a seus interesses. À época, a bancada de esquerda era, em sua maioria, formada por parlamentares ligados a sindicatos das cidades. Vítimas e parentes de mortos do campo continuaram discriminados. O estudo não constata fraudes no processo, como o pagamento de benefícios a quem não foi violentado ou morto pela ditadura, mas destaca que a ligação a partidos de esquerda é um critério de indenização.

(Estadão)

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