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Brasília – O ano começa com um péssimo presságio para a condução da política econômica. Analistas ouvidos pelo site de VEJA avaliam que a decisão de arranjar recursos de última hora para cumprir a meta de superávit primário de 2012, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), põe em xeque a credibilidade da política fiscal do país. A avaliação geral é que o governo federal goza, hoje, de posição orçamentária relativamente confortável – o que até lhe permitiria fazer um esforço fiscal menor. Bastaria anunciar uma meta menos agressiva e justifica-la de forma detalhada. A conjuntura internacional adversa e os desafios que este quadro impõe à economia doméstica seriam explicações mais que suficientes, dizem os especialistas. Contudo, a presidente Dilma Rousseff optou por agir de forma obscura. Seu governo deixou as ações para os últimos dias úteis de 2012 e tomou decisões inadequadas, como o uso de recursos do Fundo Soberano do Brasil (FSB). Ao fim e ao cabo, fica a percepção de que o Brasil caminha para voltar a ser um país em que o improviso e o descaso com a transparência das contas públicas são, sim, a regra.
Ano desafiador – Felipe Salto, economista da consultoria Tendências, reconhece a boa intenção do Palácio do Planalto em reduzir o compromisso fiscal em 2012 para promover crescimento econômico e controlar a inflação. Ele citou, como exemplo, o fato de o governo ter zerado a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) na bomba de gasolina para que o reajuste no preço do produto não pesasse no bolso do consumidor.
Lembrou também da importância da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a indústria. O problema, segundo ele, é que o governo tomou seguidas medidas sem observar, com inteira clareza, os efeitos dessas medidas sobre a arrecadação. “Reduzir [impostos e, consequentemente, a arrecadação] pode ser bom, mas não sem planejamento. O governo precisa assumir um compromisso efetivo na construção de uma reforma tributária”, defendeu.
A impressão que o Planalto transmitiu ao mercado foi que acordou, de maneira muito tardia, para a distância que teria de percorrer para entregar um superávit minimamente próximo da meta. Para se ter ideia, ante uma economia anual prometida de 139,8 bilhões de reais, o governo viu-se em dezembro diante do desafio de arranjar recursos para cobrir nada menos que 40% da meta.
A melhor saída – Ante a impossibilidade de entregar o primário prometido, os especialistas ouvidos por VEJA foram unânimes em afirmar que teria sido melhor ter o governo utilizado a mais simples das soluções: admitir que o objetivo não seria cumprido. “O que a presidente poderia ter feito era não cumprir a meta e justificar. Dizer que o ano foi um ano difícil, por exemplo. Seria mais transparente, mesmo faltando 50 bilhões de reais para cumprir a meta”, declarou Raul Velloso, especialista em contas públicas. “É melhor reduzir a meta do que usar subterfúgios cada vez menos transparentes e de difícil previsão sobre qual é o real superávit primário”, acrescentou José Marcio Camargo, economista da gestora de recursos Opus e professor da PUC-Rio.
Para Antonio Corrêa de Lacerda, professor do Departamento de Economia da PUC-SP, o governo possui hoje melhores condições para, se necessário, ter de reduzir o esforço fiscal. Ele explica que, com a queda da Selic, também diminui a pressão por receitas para equilibrar a dívida porque se gasta menos para financiá-la. “Não vejo isso como um comprometimento do arcabouço da política macroeconômica. O principal desafio agora é retomar as condições de crescimento e de investimentos”, disse. Os especialistas explicaram que o país possui atualmente uma relação de endividamento enquanto proporção do PIB mais aceitável. Também por isso pode se dar ao luxo de, em um ano ou outro, não cumprir a meta fiscal – sem que isso comprometa a saúde das contas públicas.
Fundo Soberano – Um dos pontos mais criticados nas decisões tomadas na virada do ano para tentar cumprir, ao menos no papel, a meta fiscal foi o uso dos recursos do Fundo Soberano. A alternativa foi considerada oportunista e a prova de que o Planalto perdeu o rigor técnico. “Ninguém vai aceitar isso. Já não engoliram o artifício de descontar da meta os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É mais difícil ainda engolir que uma receita que entrou em 2008 possa ser recuperada e introduzida no fluxo de 2012”, criticou Velloso.
“Usar esse recurso no último dia do ano de 2012, quando ficou claro que o superávit se deteriorou fortemente, equivale a uma medida oportunista. Se fosse uma política anticíclica, as medidas deveriam ter sido previstas no orçamento de 2011 e não pegar todo mundo de surpresa”, disse Salto. O FSB, após a operação, perdeu 12 bilhões de reais e hoje conta com capital de 2,85 bilhões de reais.
A triangulação financeira – com transferência de ações da Petrobras pertencentes ao FSB para o BNDES em troca de títulos públicos – foi interpretada pelos analistas com uma tentativa de criar uma peça de ficção.
“Querer mostrar algo que não se tem não dá”, declarou Velloso. Na opinião do especialista, a presidente Dilma, ao não cumprir o primário proposto no Orçamento, poderia vir a público e explicar todas as hipóteses que o governo considerou. Ela poderia, por exemplo, ter revelado quais seriam os possíveis superávits para as diferentes taxas de expansão do PIB. Contudo, a opção foi por acabar com a transparência.
Conquistas em xeque – A perda de qualidade no planejamento e a opção por manobras contábeis transmitem aos investidores a mensagem de que as regras do jogo hoje valem menos. Pior que isso. É cada vez mais presente a percepção de que consegue quem “chora mais” no colo do governo, como aconteceu, por exemplo, com a indústria.
Na prática, só o que a presidente Dilma e sua equipe econômica tem conseguido são quedas consecutivas na taxa de investimento – a última divulgação do PIB revelou que essa variável sofreu retração por cinco trimestres consecutivos, num claro sinal de perda de confiança na economia nacional. Além disso, o governo conseguiu levar o país a uma inflação média mais alta, em torno de 5,75%.
2013 – Camargo, da PUC-Rio, acredita que o governo deve cumprir formalmente a meta de 2012 graças às manobras contábeis e já enxerga dificuldades no horizonte. Este ano já começa, segundo o economista, com nível elevado de gastos e com baixo crescimento da economia – ele espera um PIB de apenas 2,6% para 2013 –, e sem sinal claro de que as desonerações tributárias terão redução expressiva. “Já há sinais vindos do próprio governo que não são positivos sobre a capacidade de atingir a meta. Eles publicaram uma medida provisória para as empresas públicas transferirem dividendos ao governo usando expectativas [de dividendos] e não o resultado efetivo”, alertou.
Diante disso, o professor aconselhou que o governo se adiantasse e fixasse, desde já, uma meta menor. No projeto do Orçamento para 2013 – que será votado somente em 5 de fevereiro – consta, entretanto, o valor de 3,1% do PIB a ser perseguido como superávit fiscal, isto é, o mesmo valor dos últimos anos. Salto, da Tendências, diz que reduzir esse porcentual não seria complicado. Bastaria que o Planalto enviasse ao Congresso um projeto de lei para alterar a lei de diretrizes orçamentárias (LDO).
Lacerda, por outro lado, projeta um cenário benigno para os próximos meses. Na avaliação dele, a situação fiscal do país deve melhorar, uma vez que a atividade econômica se recuperará e pode até ocorrer de haver aumento no montante destinado ao FSB.
Credibilidade – O balanço entre a má notícia de 2012 e os planos para este ano revela que a Presidência da República caminha em terreno delicado no que compete à avaliação que os investidores – destacadamente os estrangeiros – podem fazer da seriedade da condução da política fiscal brasileira. “O Planalto mina crescentemente a credibilidade dos resultados fiscais, que são uma conquista importante do Brasil. Não consigo imaginar que uma pessoa como a presidente Dilma, que tem formação econômica, não tenha se dado conta disso”, afirmou Velloso. “Eu faria o jogo da verdade, pois, nessa seara fiscal, credibilidade é tudo. A gente só sabe o quão importante é quando a perde”, destacou.
(com reportagem de Ana Clara Costa, Ligia Tuon e Naiara Infante Bertão)