Chapéu de palha

Almir Carlos
 
O Restaurante Chapéu de Palha, um dos mais tradicionais de nossa querida Manaus dos anos 70/80, localizava-se nas esquinas das Ruas Paraíba (hoje Humberto Calderaro) e Fortaleza, na Vila Municipal. Restaurante fino onde se servia um filé alto à moda da Casa acompanhado com fritas e purê de batatas, da melhor qualidade. Vinhos importados servidos em canecas e bolinhos de bacalhau que satisfaziam qualquer paladar…

Uma figura tradicional e assíduo frequentador era o saudoso Deputado Francisco Guedes de Queiróz, uma das reservas morais de nosso estado, que era visto quase que diariamente sentado à mesa próximo ao balcão, conversando com o proprietário e saboreando sua bebida predileta, ao tempo em que Manaus andava sem pressa, devagar, quase preguiçosamente ao som dominante dos pássaros, principalmente periquitos que se apinhavam nas mangueiras frondosas e abundantes espalhadas por quase todos os terrenos da tradicional Vila Municipal, disputando as deliciosas mangas madurinhas que acabavam por cair “fazendo lama” nos quintais.

O Chapéu de Palha, era de um ex-padre americano, padrasto do Rubinho e do Estevam e que mora hoje em Orlando ou Miami, não sei ao certo. Íamos aos sábados depois do futebol, bebericar e extravasar, contando vantagens sobre as jogadas e os gols magníficos que havíamos marcado no campo do Guanabara…
Numa dessas reuniões etílicas, o Álvaro teve a “brilhante ideia” de apostar quem conseguia beber cerveja com colher, servida em prato fundo (mito ou não, o certo é que se dizia que quem bebesse algumas colheradas, ficava totalmente bêbado).

Todos teriam que secar um prato, enchido até a borda. Comecei, depois o Getúlio, o Luiz Mário, o próprio Álvaro, o Sabá Marinho e…chegou a vez do Vital. O Vital não era muito acostumado a beber, mas, afoito, resolveu enfrentar o desafio. Começou a beber e nas primeiras colheradas, notamos que ia “dar merda”: Ele começou a revirar o olho, espumar, engulhar…levantou-se e saiu de quatro, depois de barriga, se arrastando pelo chão…O Getúlio que tinha alguma diferença com ele, aproveitou para apelidá-lo de COTU (mistura de cobra e tatu), alcunha que foi motivo de diversas porradas entre os dois…

O Padre vendo aquela situação e temendo qualquer problema com nossos pais, pediu que levássemos o Vital para o banheiro e o colocássemos embaixo do chuveiro, para que ele melhorasse. Não obtivemos sucesso…café amargo, sonrisal…nada fazia nosso colega tornar. Resolvemos atender a sugestão do proprietário e deixamos o Vital dormir um pouco e mais tarde ele o levaria para casa…

Lá pelas 17:00h, o Vital acordou ainda meio tonto e o padre foi levá-lo em casa. Com medo da bronca que levaria de seu pai, nosso colega mentiu e disse que morava na casa do velho Marinho, pai do Sabá e o padre parou o carro em frente da residência deste, desceu e pediu para falar com o “pai” do garoto. O Seu Marinho veio lá de dentro e percebendo a situação do Vital, concordou com a bronca que o padre lhe deu e disse que tomaria as providências necessárias, agradeceu a gentileza do padre por ter levado “seu filho” em casa e, levando-o até o portão se despediu…O Vital melhorou e já à noitinha foi para sua casa…estava salvo…

Mal sabia o Vital, que ele acabara de ganhar um “novo pai”. Porque a partir daquela data, ele foi alvo de gozação da turma pois o Velho Marinho, sacana e gozador como era, todas as vezes que passava pela Taberninha e que estávamos reunidos chegava em nossa turma, olhava para o Vital e perguntava: _ não vais tomar a bênção do papai não? Era uma gargalhada geral. O Vital conviveu com isso por muitos anos, além do apelido que o Getúlio lhe colocara: COTU!

O Chapéu de Palha foi outro patrimônio demolido pelo progresso desenfreado imposto a nossa querida cidade, que passa a não ter história, memória e muito menos tradição. Outro local aprazível, era o Restaurante Palhoça, localizado na Estrada da Ponta Negra, onde tínhamos além da comida de alto nível, uma música da melhor qualidade executada pelo Armandinho Pascarelli e pelo Agenor Arce Rio Branco (pai de meu dileto amigo Agenor Filho), que além de baterista dava sua palhinha como cantor, assim como, Beto de Paula que diversas vezes se apresentou no recinto, onde meu nobre amigo Aércio, fanático pelo estilo e que também gostava de mostrar seus dotes artísticos musicais, tinha mesa cativa, a de número 13, que ocupava todas as sextas e sábados juntamente com a Hilda sua esposa.

O problema é que indo às sextas e sábados, o Aércio acabava deixando alguns colegas em situação vexatória pois era tradição da moçada ir às sextas com as namoradas e aos sábados com as esposas…

Hoje não temos mais esses lugares onde possamos frequentar com tranquilidade, ouvir e dançar os melhores estilos musicais e saborear uma deliciosa peixada de Tucunaré ou Tambaqui. Há temor pela crescente onda de violência, de assaltos e prefere-se ir aos Shoppings. Mudaram os tempos e os gostos: trocamos a peixada pela pizza, os salões pela televisão, as praças e os passeios pelo computador e a cerveja fica mais gelada, mais em conta e mais próxima, em nossas geladeiras… Continuo com o meu pensamento, minha crítica e meu posicionamento talvez um tanto quanto provinciano: comparando fatos e atos, prefiro a minha Manaus de outrora que a Manaus de agora!

À querida amiga Gisele Alfaia, como demonstração de afeto, sensibilidade e acima de tudo, indignação pelo crime cometido contra uma indefesa mangueira, ao lado do nosso maior patrimônio histórico e que abrigava muitos periquitinhos que cantavam incessantemente fazendo com que os domingos do Doutor Genesino Braga se tornassem um pouco mais festivos e melodiosos!

*Almir Carlos, é educador e articulista do portal falando especificamente sobre as cosias de Manaus.

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