Falta de diálogo, promessas não cumpridas, acordos frustrados: vereadores analisam perda de apoio de Crivella na Câmara
Rio – Na terça-feira (2), processo de impeachment foi aceito por 35 votos a 14. Há 6 meses, outro pedido contra foi ‘enterrado’ por 28 votos a 14; 13 vereadores mudaram do ‘não’ para o ‘sim’.
Há seis meses, a base aliada do prefeito Marcelo Crivella (PRB) enterrou um pedido de impeachment na Câmara Municipal do Rio. Teve o dobro de votos: 28 a 14. Nesta terça (2), o apoio do bispo licenciado ruiu. Os vereadores aprovaram, por 35 a 14, a admissibilidade do impeachment, e o futuro de Crivella será decidido nos próximos três meses.
Veja como votaram os vereadores
De uma votação para a outra, 13 vereadores mudaram do “não” para o “sim” (veja quem são abaixo). Desta vez, a denúncia partiu do fiscal da Secretaria de Fazenda do município Fernando Lyra Reys, que afirma que o prefeito cometeu improbidade administrativa e crime contra a administração pública em caso de concessão de 1999 prorrogada sem licitação.
Câmara de Vereadores do RJ abre processo de impeachment contra prefeito Crivella
O que dizem os parlamentares
A pedido do Sistema Globo, parlamentares analisaram a perda de apoio. Entre os principais motivos listados estão a falta de diálogo, o descumprimento de promessas e a quebra de acordos.
“A impressão é de que o Crivella perdeu o apoio da base por quebrar os acordos, baseados em cargos e obras, com os vereadores aliados. Ele que fala tanto ser contra o ‘toma lá, dá cá’. A informação que temos é que parou o ‘toma lá’, mas continuou o ‘dá cá’. O que se diz é que, até mesmo alguns cargos que ele deu, pediu de volta. O apoio foi cortado no meio”, opina o oposicionista Paulo Pinheiro (PSOL).
Luiz Carlos Ramos Filho (PTN), que foi contra a abertura do processo em todas as votações e nesta terça foi sorteado como relator da comissão de impeachment, reforça o discurso de que houve falta de diálogo.
“O prefeito foi perdendo o diálogo com a Câmara de Vereadores, e isso fez com que tivesse uma insatisfação. É a terceira denúncia que votei contra, mas isso não quer dizer que, durante o processo, a gente não possa ter tempo para estudar e emitir um parecer com transparência e seriedade. Ele estava se posicionando errado, manda as mensagens erradas para a Câmara”, disse Luiz Carlos.
‘Incapacidade de gestão’
Fernando William, do PDT, se apresenta como um vereador independente – nem situação, nem oposição. Ele diz que deu “votos de confiança” nos dois primeiros anos, mas com as dificuldades vividas pela administração pública passou a apoiar a saída.
“No terceiro ano, não há mais justificativa. Provavelmente, terá mais receitas que em 2016, quando tudo funcionava. Por completa absoluta incapacidade de gestão, ele permite que irregularidades como essa [da denúncia do impeachment] acabem acontecendo. A prefeitura perdeu algo em torno de R$ 25 milhões. Isso não é brincadeira”, queixou-se.
‘Falta de diálogo’
A emedebista Rosa Fernandes, vereadora há quase três décadas, atribui o fato à crise de governabilidade e também culpa a falta de diálogo.
“Falta de relação dele com a Casa, ele se isolou. Acho que é o estilo dele, um estilo vertical de determinação”, opina Rosa.
Ela discorda da tese de que o desencontro tenha ocorrido por cargos e favores. “Acho que não, os outros governantes não tratavam dessa forma”.
Nos corredores da Casa, diz-se também que Crivella passou a lidar com a Câmara de outra forma depois que não se sentiu apoiado pelos vereadores da base na campanha de seu filho Marcelo Hodge Crivella, o Crivellinha.
“A perda de base dele, na minha opinião, é um ato de brutal incompetência. Ele entende: se não tive o apoio desses vereadores para eleger meu filho, vou governar para quem me elegeu”, diz um parlamentar, que compara o caso com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “É possível governar sem o povo ou sem o Legislativo, mas não sem o povo e sem o Legislativo”, resume.
‘Inabilidade política’
O petista Reimont, que lembrou que o ex-senador Crivella acabou votando contra a ex-presidente Dilma Rousseff no impedimento dela, atribui a derrota do prefeito à inabilidade política.
“Ele mexe nas pedras do tabuleiro sem obedecer às regras do jogo. Há uma lógica de que o vereador indica superintendente, diretor de hospital”, lamentou. “E o Crivella, na verdade, tem inabilidade pra lidar com essas questões.”
Mudança do ‘não’ para o ‘sim’
Na comparação entre as votações, 13 vereadores que haviam sido contra o processo de impeachment em setembro mudaram de ideia e votaram “sim” desta vez.
São eles: Zico Bacana (PHS), Dr. João Ricardo (MDB), Professor Adalmir (PSDB), Wellington Dias (PRTB), Thiago K. Ribeiro (MDB), Rocal (PTB), Prof. Célio Lupparelli (DEM), Marcelino D’Almeida (PP), Marcello Siciliano (PHS), Italo Siba (Avante), Jones Moura (PSD), Felipe Michel (PSDB) e Dr. Jorge Manaia (SD).
O Prof. Célio Lupparelli comemorou o resultado desta terça e disse não aguentar mais “tanto descaso à dignidade humana”.
“Aprovamos a admissão do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella. Votei ‘sim’ à abertura do processo de investigação, pois a população do Rio já não aguenta mais tanto descaso à dignidade humana. Agora, a comissão processante tem 90 dias para realizar as investigações”, disse Luppparelli.
O vereador explicou ainda que o motivo para a mudança de voto foi que “os pedidos anteriores não tinham fundamentação nem materialidade”. Na opinião do político, o prefeito se distanciou do Poder Legislativo e “continuou a cometer desatinos”.
Popularidade desabou
“Sua popularidade desabou. Mas o que me levou a votar hoje pela admissibilidade do pedido de impeachment foi a existência de crime de responsabilidade administrativa”, disse o Prof. Célio Lupparelli.
Procurado pela reportagem, o vereador Jonas Moura (PSD) respondeu que, “por razões estratégicas”, não vai se manifestar.
Através de sua assessoria de imprensa, o vereador Dr. Jorge Manaia (SD) disse que, apesar de fazer parte da base do governo, o voto desta terça “foi um voto pela transparência”.
O vereador diz que quer ter mais tempo para estudar melhor a denúncia do funcionário da Secretaria de Fazenda e que quer ouvir as explicações do prefeito e a comissão que criada para analisar o caso.
Em relação à mudança de posição sobre a votação de setembro, a assessoria disse que “se trata de denúncias diferentes e não existe relação entre os votos”.
A reportagem em contato com o vereador Felipe Michel (PSDB), que não havia respondido até a publicação desta reportagem. Nós não conseguimos contato com os outros citados.
A denúncia
Câmara dos Vereadores do Rio aprova abertura de processo de impeachment de Crivella
Fernando Lyra Reys, fiscal da Secretaria de Fazenda do município, protocolou o pedido de impeachment na segunda-feira (1º). Ele afirma que o prefeito cometeu improbidade administrativa e crime contra a administração pública.
Segundo a denúncia, Crivella teria prorrogado sem licitação uma concessão, de 1999, que autoriza dois grupos de agências de publicidade a usar para propaganda em 34 locais públicos, como pontos de ônibus e relógios de rua.
De acordo com o autor da denúncia, o contrato previa a exploração desses locais por 20 anos – e não tinha nenhuma cláusula que permitisse a renovação. Essas empresas também teriam deixado de pagar quase R$ 30 milhões em obrigações e multas.
Próximos passos do processo
Uma comissão processante foi formada após a votação com três vereadores que estavam presentes na sessão. Foram sorteados: Luiz Carlos Ramos Filho (PTN), Paulo Messina (PROS) e Willian Coelho (MDB);
O presidente da comissão será o vereador Willian Coelho e o relator, Luiz Carlos;
O vereador Dr. João Ricardo (MDB) pediu para que Messina, chefe da Casa Civil exonerado nesta terça-feira para retornar à Câmara e votar no lugar de seu suplente, se declarasse impedido. Messina não atendeu ao pedido e ainda se tornou integrante da comissão processante;
A partir da notificação do prefeito, todo o processo deve durar 90 dias, e Crivella continua no cargo;
Crivella terá 10 dias para apresentar sua defesa;
A comissão vai preparar um relatório para ser discutido em plenário;
O relatório final será votado no plenário;
Para ser aprovado, o impeachment precisa do voto de dois terços da Câmara, ou seja, 34 vereadores;
Se aprovado o relatório em plenário, o prefeito perde o mandato. Se rejeitado, o pedido de impeachment é arquivado.
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