Ambientalmente, livros didáticos são inúteis

Ronaldo Santos

Ronaldo Santos*

Os livros ensinam e ensinam muito. Não é do conteúdo dos livros que trata este texto, mas do material de que é feito e a forma que fazemos deste material.

Em tempos de racionalização de recursos naturais (que em última análise é também recurso financeiro), espanta uma prática nociva e repetida ano após ano em um local que deveria ser o modelo: nas escolas. Trata-se da fórmula de uso dos livros didáticos.

Na rede pública o modelo é da devolução (leia aqui). Ou seja, ao fim do ano, o aluno devolve o livro em condições de uso para outro. Há perdas, bem verdade, mas a média final de livros reutilizados todo ano é de no mínimo 85%. Uma boa taxa.

Em tese esta fórmula beneficia todo o sistema: há uso, reuso de recurso natural; os alunos aprendem noções de educação ambiental desde cedo; sedimenta-se a idéia de colaboração, cooperação e cuidados; sem falar na idéia incutida na cabeça dos pequenos aprendizes de que ele passa a ser responsável por algo desde cedo.

São valores nobres e, que se bem ensinados, são bem vindos.

Rede particular e o mau exemplo

Em vez de estimula a cidadania, a educação ambiental e os bons valores, o modelo de uso dos livros didáticos na rede particular prega o inverso. No formato das particulares, os livros didáticos são comprados todos os anos e, depois, entulhados numa dispensa no fundo da casa. Raro um pai que pensa no que fazer com este material, afinal, foi riscado, pintado, colorido, rasgado. Não há reutilização.

Por que isso? Porque, diferentemente da rede pública, na rede particular não há a obrigatoriedade devolução do mesmo livro para outro aluno no ano seguinte. A noção ali estimulada é a de uso particular, privativo, sem economia de espaços, nem de papel. Faz um certo sentido se pensarmos que os pais pagam caro por este item. Logo, que se utilize em seu máximo (…).

Estes livros, depois da dispensa, tem o destino natural do lixo: os lixões ou os aterros sanitários, cada vez mais caros ao contribuinte (sem falar que algumas cidades mau têm espaço para novos lixões).

Números preocupantes

Uma conta rápida dá a noção da bomba ambiental. Dados de 2009 indicavam que havia no Brasil 7.088.636 alunos da rede particular. Calculando por baixo, se cada um utiliza ao menos dois livros por ano, teríamos 14 milhões de livros produzidos; considerando que em média um livro pesa 250 gramas, teríamos, ao menos, 3,5 milhões de toneladas de papel gerados todos os anos!

Outro cálculo que não pode ser evitado é o de quantas árvores são utilizadas por quilo de papel. Em linhas gerais 1 árvore = 50 kg de papel. No final entulhamos nas dispensa, todos os anos, o equivalente a 70 mil árvores.

Nem falamos em outros indicadores, como a poluição gerada pelo envio (transporte aéreo, terrestre e fluvial) deste material. São milhões de toneladas anuais de carbono. Nem farei a conta.

Ideias e sugestões

A primeira coisa a se pensar é na idéia de devolução. Mas isso não seria fácil na rede particular. Seria mudança de cultura e isso sabemos demora. Outra medida é a já pensada por outros, como o livro didático eletrônico (leia aqui). Esta é possível na rede particular – pois, em tese, os pais tem maior poder aquisitivo e arcariam com tal custo de “tablets”. O problema seria alterar a metodologia de uso dos livros: para os pequeninos das série iniciais, é fundamental o contato com a tinta e os traçados.

Neste caso, entra em cena a reciclagem que é outro caminho sem volta. Há projetos em curso como da pesquisa do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. Além disso, há iniciativas parlamentares para inserir na rede pública percentuais de papel reciclado nos livros – ainda em status de projeto de lei.

Não são idéias vagas nem impossíveis. São reais. Se não cuidarmos de passar aos nossos pequenos, noções de cidadania, cuidado e responsabilidade, desde cedo, fadaremos estas gerações à práticas que hoje abominamos.

Os livros ensinam, e podem ensinar mais.

*Ronaldo Santos é engenheiro agrônomo e servidor público federal de carreira ( Incra,AM) 

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