Informações contidas em uma reportagem publicada em janeiro deste ano pelo jornal “France-Guyane”, de Caiena, de autoria do jornalista Sébastien Roselé, volta a causar preocupação entre os brasileiros residentes na Guiana Francesa.
É que a colônia brasileira residente naquele Departamento de Ultra-Mar da França (estimada em 80 mil pessoas entre clandestinos e legalizados) ficou sabendo da reunião ocorrida por forças policiais brasileiras e francesas, no início da semana, em Oiapoque, na qual foi discutida a cooperação técnica e policial entre o Brasil e a França, sobretudo, para combate aos crimes de tráfico internacional de drogas e pessoas, contrabando (descaminho), tráfico de armas, imigração ilegal e garimpagem clandestina.
A preocupação dos brasileiros habitantes na Guiana Francesa reside em informações até então ultra-secretas, mas reveladas pela reportagem do periódico guianense há sete meses, e que continuam desconhecidas pelas autoridades brasileiras, como: informações secretas acerca do “Caso Manoel-zinho” (entenda melhor sobre o assunto no box desta página); limitar a quantidade de mercadorias a serem transportadas pelo rio Oapoque, principalmente, para áreas próximas aos garimpos clandestinos (tanto do Brasil quanto da Guiana); mudança da Lei francesa para esticar o prazo das prisões em flagrante (garder in vie, numa tradução livre: “guardar sob as vistas”, da polícia), que hoje é de 20 horas e só começa quando o preso é levado diante do delegado de polícia, no caso de garimpeiros.
A maior preocupação dos imigrantes brasileiros na Guiana é que essas sugestões hajam sido discutidas na rodada de conversa que avaliou estratégias de intervenção bilateral na região.
Um estudo ultra-secreto encomendado pelas autoridades francesas do Ministério da Justiça e Ultramar da França apresentou propostas para tornar a “Operação Harpie” mais eficiente. Apesar das descobertas polêmicas da investigação, o documento confidencial acabou sendo esquecido pelo ministério em Paris. Caso as sugestões do documento estejam sendo colocadas em prática pelas forças policiais francesa na Guiana, a vida dos garimpeiros brasileiros residentes por lá pode piorar.
A Operação Harpie é uma ação do go-verno francês de combate ao crime na região da fronteira da Guiana Francesa com o Brasil e Suriname, e tem a participação direta de policiais federais brasileiros. A Harpie é coordenada pela Polícia Nacional Francesa, e realiza ações, sobretudo, contra narcotráfico, tráfico humano, contrabando e tráfico de armas.
O caso Manoelzinho
Manoel Ferreira Moura, 27 anos, o “Manoelzinho”, executou a tiros no dia 27 de junho de 2012, dois oficiais da Marinha Francesa: o subtenente Stéphane Moralia e o cabo-chefe Sébastien Pissot, ambos lotados no 9º Regimento de Infantaria da Marinha (RIMA).
Os assassinatos se deram em confronto entre a quadrilha de Manoelzinho e os soldados, na região do garimpo de Dorlin (pronuncia-se “Dorlén”). O criminoso foi preso um mês depois, num hotel do centro de Macapá.
O relatório secreto
Cinco funcionários e dois policiais foram enviados em uma missão secreta à Guiana Francesa, em dezembro de 2011. Os ministros da Justiça e de Ultramar do governo anterior haviam assinado a autorização para investigar a Operação Harpie no mês anterior, novembro de 2011. O objetivo era criar um “inventário das dificuldades”, e que acabou confrontando as informações até então prestadas pela Operação Harpie. Diante disso, os agentes secretos resolveram sugerir propostas para maximizar a eficácia da Harpie.
A missão permaneceu três dias na região e produziu, em janeiro de 2012, um relatório de 32 páginas. Com a eleição de um novo presidente francês, o documento acabou sendo esquecido pelo Ministério do Ultramar e da Justiça da França, que agora tem uma guianense como ministra, a senadora Chirstiane Taubira (do Partido Socialista Guianense). Não se sabe se a polícia francesa está colocando em prática as sugestões do relatório, que custou uma pequena fortuna aos cofres públicos do governo central francês e também ao governo do Departamento. Inclusive, o documento foi até ocultado de alguns parceiros guianenses do ministério, que não receberam o relatório.
Crítica ao trabalho da polícia
Quanto ao mérito, o documento secreto não é um julgamento sobre o funcionamento da Operação Harpie, mas para fazer propostas a missão foi forçada a dar uma olhada na luta contra a mineração ilegal de ouro, tal como é praticada hoje na Guiana, e que tem participação direta dos brasileiros.
Sobre o assunto, o relatório critica a postura dos policiais da Harpie: “Os dados da maioria dos indicadores de serviços de atividade e das forças envolvidas na operação mostram uma conta parcial dos efeitos da estratégia em relação às atividades desenvolvidas. A avaliação parece mais impressionista que sistemática, e os indicadores de resultados ou indícios são dispersos ou divergente, dependendo de quem prepara os relatórios. Em suma, a avaliação da Harpie pelas próprias pessoas que a compõem é necessariamente incompleta. A prova: o relatório dos integrantes da Harpie observa que a mineração ilegal de ouro diminuiu, mas acrescenta que ‘as valorizações não concordam plenamente’ sobre o assunto”.
O documento secreto recomenda uma melhor coleta e partilha das informações. “Espera-se que este trabalho possa levar ao encontro de indicadores que permitam uma avaliação mais precisa dos efeitos reais do fenômeno combatido. A importância dos recursos destinados à Harpie faz deste um passo essencial. Descobrimos também, no documento, que as tarefas não são sempre executadas com o máximo de discrição. A escala de algumas operações que envolvem múltiplos atores, e a organização de vigilância por cúmplices, permite que os garimpeiros ilegais se antecipem para impedir determinadas operações”.
Para justificar a suspeita, os investigadores citam o “Caso Manoelzinho”, sobre o qual acumularam uma riqueza de informações que mudaram a situação. Mesmo tendo sido publicado há um ano, o relatório continua atualizado em relação à garimpagem clandestina, e as sugestões atingem diretamente os brasileiros.
(Fonte: Diário do Amapá)