Tanto a margem direita quanto a esquerda do rio Mamoré (Guayaramerim) foi atingida pelas águas do rio Mamoré. Sua forte correnteza carrega consigo a tristeza de muitas famílias que perderam casas, lavouras, móveis, sonhos, histórias. As águas não pouparam nem as aldeias indígenas localizadas às margens do Mamoré e Guaporé.
Casas, cemitério histórico e a estação elevatória de esgotos ainda estão debaixo d’água, mesmo o rio já tendo baixado mais de 2 metros. José Máximo Lemos, ex-ferroviário da Madeira-Mamoré, mora às margens do rio há 29 anos e diz nunca ter presenciado algo tão grande.
Ele diz que por vários dias via passar em frente à sua casa, que margeia os trilhos da centenária ferrovia Madeira-Mamoré, famílias de capivaras indo em direção ao rio. “É uma coisa que não se vê todo dia”. Em direção ao centro da cidade, encontramos Ruan Rui Lova, observando seus filhos que buscavam objetos e brinquedos em sua casa alagada.
“Não foi só a minha casa, a do meu sogro também”. Ruan diz que a cheia de 2008 invadiu a casa dele, mas muito pouco e naquela época a casa do sogro mal molhou o piso. “E agora veja só onde a água chegou”, apontava para a marca na rua, distante cerca de 50 metros de sua casa.
A comerciante Maria de Lourdes Ribeiro, proprietária de uma loja de confecções na avenida Constituição, e outra de materiais de construção teve de sair da loja de confecções. E ao retornar, após 30 dias fechados, ficou o prejuízo da reforma, pintura e ainda ter de alugar outro ponto comercial. “Além disso, ficamos cerca de 90 dias sem receber mercadorias”.
Com a estrada praticamente fechada em vários pontos, as transportadoras não entregaram mercadorias, mas as faturas continuam chegando. Ela mostra as 23 notas de um mesmo fornecedor que chegaram junto com a cobrança, mas as mercadorias ainda não.
“Com alguns fornecedores conseguimos negociar a prorrogação das faturas, mas outros não sabem nem onde fica Guajará-Mirim, acham que aqui é o Acre”.Para driblar a crise, deu férias às atendentes.
Ela reclama da demora e desunião da classe política que, segundo ela, não luta para que as pontes sejam construídas. “Se estas pontes estivessem prontas, com certeza Guajará não teria passado por todo este tempo isolado”.
Bolivianos enfrentam problemas no comércio
No lado boliviano, a situação não é diferente. O pórtico de entrada por onde chegavam as voadeiras levando turistas ainda está debaixo da água. O barqueiro Luiz diz que “a água está baixando 5 centímetros por dia, mas quando subiu eram 20 centímetros por dia”. Segundo o barqueiro, a previsão era que a água já deve tivesse liberado o piso para uso durante esta semana.
No entanto, a rua que passa atrás do pórtico de entrada está alagada cerca de cem metros cidade adentro. Isso com certeza, levará um tempo maior para que a água baixe totalmente e a vida dos bolivianos e turistas que visitam Guayaramerim volte ao normal.
A comerciante Vitoria Griss, de uma das lojas mais tradicionais da Bolívia, Alexander, diz que vendiam em torno de 2 mil dólares ao dia. Hoje não passa de 500 dólares. “Hoje mesmo não vendemos um centavo” (e já passava das 9h da manhã).
No entanto, o que se observa, é que mesmo com todas as dificuldades de acesso, os turistas brasileiros começam a retornar gradativamente ao país vizinho, e a normalidade vai se estabelecendo.
Vitoria lembra que para a mercadoria chegar o custo do frete aumentou, pois muitos produtos vinham por via aérea.
“Faltar mercadoria não faltou. A loja sempre mandava dois ou três produtos para não desabastecer a loja”.
TRANSPORTE ARRISCADO
Outro setor que sempre teve um movimento muito significativo em Guajará-Mirim é o de taxistas, que acabam fazendo fretes de pessoas para Nova Mamoré e especialmente Porto Velho. No auge da cheia uma viagem à Capital chegou a custar R$ 250,00 por pessoa. No dia 1º de maio os valores para Nova Mamoré era de R$ 20 e para Porto Velho R$ 100 por pessoa.
O taxista Raunei Clemente Aguiar disse que todos os colegas ficaram cerca de dois meses parados. Os que se arriscavam em fazer a viagem para poder ganhar um dinheiro para quitar suas dívidas do financiamento do carro, acabavam por gastar mais no conserto do veículo. “Com isso acabaram por acumular outra dívida”.
Hospital assiste toda a região
Durante o período da enchente, que praticamente isolou Guajará-Mirim por via terrestre, obrigando o Estado a abrir emergencialmente a Estrada Parque, possibilitando o acesso de carros para a região de Guajará-Mirim, Nova Dimensão e Nova Mamoré, o hospital regional de Guajará se manteve ativo e atuante.
A instituição é mantida pela prefeitura de Guajará-Mirim, mas através de um convênio de repasse de recursos do governo Estadual e Assembleia Legislativa de Rondônia, está sendo possível a reforma de parte das instalações do hospital, possibilitando o aumento dos atuais 32 leitos para futuros 52. Além disso, muitos equipamentos foram adquiridos devido ao repasse desta verba.
O administrador do hospital, Luiz Xavier Nascimento, agradece ao governo pelo apoio, e informa que em 15 dias a ala pediátrica, que está em reforma, será liberada e poderá atender com melhor qualidade aos pequenos pacientes.
O Hospital não possui UTI, e desta forma, necessita enviar os pacientes mais graves para receber atendimento em Porto Velho. Com o problema das estradas, esta situação ficou muito difícil, pois “para conseguir avião tem muita burocracia”. A unidade realiza de 200 a 300 atendimentos dia.
Para o administrador, o grande problema enfrentado pelo hospital é algo que acontece em todos os municípios. “A população vê na emergência do hospital um local para consulta, enquanto que o correto era procurar um posto de saúde, o que desafogaria nosso atendimento”. No entanto, ele afirma que ninguém sai sem atendimento. A cheia dos rios da região também provocou o desabastecimento do hospital por 15 dias, chegando a faltar material pênsil, antibióticos e até oxigênio, informou o administrador. “Hoje estamos com estoque para 10 dias”.
O hospital ainda carece de melhor estrutura, em especial no laboratório de bioquímica que faltam equipamentos e uma autoclave mais moderna. “Só temos uma e muito antiga. Quando ela estraga, temos de enviar material para esterilizar em Nova Mamoré”, informou.
Bombeiros apoiam municípios que não contam com a defesa civil
Talvez um dos principais responsáveis por Rondônia ter evitado muitas mortes e outras perdas, é de responsabilidade do Corpo de Bombeiros de Rondônia, que apoiaram sobremaneira as prefeituras que ainda não estruturaram a Defesa Civil, conforme preconiza a Lei 12.608 de 10 de abril de 2012.
Segundo o soldado Maciel, esta Lei compete aos municípios criar e estruturar a própria Defesa Civil. E entre outras, coordenar ações no âmbito local, em articulação com Estados e União, incorporando as ações de proteção e defesa civil no planejamento municipal.
Por este motivo, ele que é de Jaru, se encontra em Guajará-Mirim, auxiliando a prefeitura local e de Nova Mamoré a estruturarem o seu Plano de Trabalho para Reconstrução, pois as mesmas fizeram de forma incompleta e foi devolvido pelo Ministério da Integração. “Agora foram corrigidos os dados e novamente enviados a Brasília”. Segundo o soldado, esta “é uma obrigação das prefeituras, o Estado está dando o apoio necessário”.
Uma outra situação que foi observada pelo Corpo de Bombeiros e Defesa Civil é que em algumas localidades existem alguns aproveitadores, ou seja, se aproveitam da situação e em local um o pai pede uma cesta básica e em outro a mãe.
Para evitar esta situação, o tenente De Souza, assessor do gabinete do comando e sua equipe, estão criando um programa que ficará no site do Corpo de Bombeiros para realizar o cadastro de todas as famílias. “Assim, evitaremos duplicidade de suprimentos, bem como injustiças no fornecimento de alimentos e água”.
Segundo dados do grupo de bombeiros de Guajará-Mirim, na cidade existem 38 famílias desabrigadas (que ficaram sem ter para onde ir e estão no abrigo provisório) e 127 desalojadas (foram para casa de amigos e ou parentes e recebem também assistência da Defesa Civil). Quanto aos indígenas, 88 famílias estão desabrigadas no eixo do rio Mamoré e 72 famílias no rio Guaporé.
Defesa civil distribui alimentos
A Defesa Civil repassou à Funai 760 cestas básicas para serem distribuídas aos indígenas, bem como 6.000 litros de água mineral. O tenente De Souza disse que num primeiro momento “Fomos impedidos de entrar na área indígena, que é área federal. Somente depois, com o agravamento da situação, permitiram que entrássemos e fizéssemos o atendimento”.
Neste momento, o grupo prepara o Plano Detalhado de Resposta, que envolve toda a situação de reconstrução para que o Governo Federal possa socorrer financeiramente os municípios.
A Defesa Civil Nacional possui regras para ressarcir o Estado e municípios que necessitam ser enviados em relatórios com despesas divididas nas fases de socorro, assistência, restabelecimento e, depois de passado o desastre natural, a fase de reconstrução.
Segundo a diretora executiva de programas e projetos do governo de Rondônia, Rosana Vieira de Souza, o Ministério da Integração irá repassar valores para reconstrução, “desde que não sejam para o mesmo local”. Desta forma, o governo e prefeituras deverão realizar obras nos locais atingidos para que a população não volte a morar nestas regiões.
Estrutura abandonada serve de abrigo para famílias atingidas
O distrito de Iata, distante cerca de 30 quilômetros de Guajará-Mirim, também teve 10 famílias atingidas pela enchente, que buscaram abrigo em uma estrutura que estava abandonada, pertencente à Unir que deveria abrigar um hotel escola.
No local, estão alojadas 32 pessoas, que há cerca de 40 dias ocupam a confortável e espaçosa estrutura. Janete Custódio, uma das moradores atingidas, diz que estão muito confortáveis no local e muito bem assistidos e recebem todos os dias “marmitas que a Defesa Civil entrega pra gente aqui”.
Na localidade, os moradores viviam da pesca e do turismo. Atualmente, todos se encontram parados devido o período do defeso, tendo os pescadores recebido as parcelas relativas aos 4 meses normais. “Mas ainda ninguém sabe falar da prorrogação do pagamento das parcelas para quem foi atingido pela enchente”. As aulas na escola estão normais, “apesar de terem atrasado um pouco seu início”, afirmou a moradora, que agora se preocupa em aguardar a água baixar para poder reformar sua casa, comprar uma geladeira nova que foi perdida com a enchente e torcer para que não apareçam mais cobras que acabaram com as galinhas de seu quintal.
Geovani Berno – Diário da Amazônia Foto: Ésio Mendes/DecomRo