Beasil = O País assistiu, estarrecido, ao pronunciamento do Procurador Geral da República, realizado no último dia 4 de setembro, no qual trazia a público fatos que implicavam um integrante do Ministério Público Federal, ministros do Supremo e políticos.
Tais fatos foram objeto de gravação de conversas travadas entre os colaboradores Joesley Batista e Ricardo Saud, cujo acordo já fora homologado pelo ministro Edson Fachin.
No dia seguinte, 5 de setembro, o ministro relator deu publicidade aos áudios, gerando perplexidade e revolta na sociedade brasileira. Esses fatos geram uma importante controvérsia que se resume em duas perguntas básicas: o acordo celebrado deve ser rescindido? Caso seja rescindido o acordo, as provas advindas da colaboração devem ser desprezadas?
Em outra oportunidade, publicamos artigo no qual eram expostos aspctos polêmicos do acordo de colaboração premiada celebrado pelos irmãos Batista, do Grupo J&F, e o Ministério Público Federal. Já se afirmava que o acordo dos irmãos Batista era eivado de ilegalidades por haver cláusulas incompatíveis com a função do Ministério Público, inviabilizando a atuação jurisdicional no mérito do acordo.
Pode-se citar a possibilidade de concessão de perdão judicial, o que é competência do magistrado. Muito se falou sobre a necessidade de se rever o excesso de benesses concedidas no aludido acordo, diante da falta de razoabilidade, se comparado com os acordos celebrados pelos executivos do Grupo Odebrecht.
Os aúdios divulgados mostram que os colaboradores agiram com a clara intenção de obter os benefícios, além de ficar demonstrada a omição de informações no acordo já celebrado e homologado. [3]
Viciado
O acordo celebrado mostra-se viciado, pois há indícios de interferência de um ex-procurador da República que passou a intervir no sentido de viabilizá-lo. O próprio colaborador Joesley Batista confirma as omissões perpetradas no acordo. [4]
Portanto, diante de um vício insanável, o acordo deve ser considerado imprestável e o relator declarar a sua nulidade. Ademais, a nulidade afeta tanto a acusação como a defesa. Se um ato processual é considerado nulo, deve ser considerado como inexistente.
A validade somente pode ser discutida a partir do questionamento da existência do ato. [5] Logo, as provas também devem ser consideradas nulas. O Supremo Tribunal Federal, certamente, irá discutir a validade das provas fruto da colaboração dos executivos do Grupo J&F.
Considerada a ilicitude da colaboração, todas as provas originadas devem ser descartadas, conforme artigo 157, § 1º, e artigo 573, § 1º, ambos do Código de Processo Penal. Após as revelações trazidas a público pelo Procurador Geral da República, a colaboração premiada é absolutamente imprestável. Este é um reflexo da adoção do modelo denominado Estado Democrático de Direito, que busca o respeito ao devido processo legal.
O Estado não pode se utilizar da ilicitude, do inexistente para impor uma sanção a qualquer acusado.
Luigi Ferrajoli, ao tratar do modelo garantista, expõe que a ação persecutória do Estado é legítima, quando observados diversos princípios e garantias, sem as quais a ação estatal torna-se ilegítima. [6]
A colaboração premiada, em si, não é uma prova, mas um instrumento facilitador para a produção da prova.
É bem verdade que uma discussão acerca da perspectiva ética do instituto, porém não afasta qualquer garantia constitucional, inclusive a presunção de inocência, que impõe ao Estado o ônus de produção de todo lastro probatório necessário para a imposição de uma condenação.
No Estado Democrático de Direito, impõe-se a limitação do poder sancionador e não o puro desejo de punir a qualquer custo. Aproveitar as provas e cancelar os benefícios, como se defende recorrentemente, é impor aos acusados, particularmente os que não firmaram acordos de colaboração, um grave prejuízo.
Vale lembrar que contra o colaborador que deu causa à retratação, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor, como prevê o artigo 4º, § 10, da Lei nº 12.850/2013. Logo, o prejuízo para outros supostos acusados seria considerável.
As notícias veiculadas pela imprensa revelam uma grande descrença e revolta com a conjuntura nacional e com a situação política do país. A sociedade clama por uma reação enérgica e rápida.
Todavia, há limites a serem observados. E este limite é a Constituição.
A legitimidade do processo advém da fiel observância das regras – do devido processo legal. Somente assim, florescerá um amadurecimento institucional capaz de imprimir um salto civilizatório ao país. Assim, a rescisão de acordo de colaboração premiada impõe a nulidade das provas produzidas a partir desse instrumento persecutório.
Amazonianarede-Justificando