
Porto Velho, RO – No início do mês de março, representantes de órgãos públicos ligados à agricultura e pecuária, sindicatos de trabalhadores e lideranças comunitárias reuniram-se em Porto Velho para fazer um levantamento da situação das propriedades rurais afetadas pela alagação recorde do rio Madeira.
Desta reunião saiu um relatório datado de sete de março, quando o nível do rio media em torno de 18,87 metros, bem menor, portanto, do nível atual, que ontem oscilava em torno de 19,62 metros. Ainda naquele período os prejuízos eram grandes, principalmente no Baixo Madeira, região mais atingida, onde as perdas dos moradores foi de 100% nos primeiros dias do mês. A maioria das casas são de madeira e terão que ser reconstruídas. Lavouras e fruteiras ficaram debaixo da água e foram perdidas.
Os números sobre animais mortos impressionam. Perderam a vida: 1.032 bovinos, 1.275 ovinos e caprinos, 3.060 porcos e 102 mil galinhas. Ao sofrimento dos animais de criação se soma os da fauna silvestre, que não tem como dimensionar. A flora também foi afetada, assim como o solo e já se fala na mudança de local dos distritos. Seria construído, por exemplo, um novo São Carlos. O distrito poderá desaparecer, sepultando um importante legado da história e da cultura beradeira.
Em sete de março de 2014, segundo o “Relatório Situacional dos Atingidos do Rio Madeira na Região do Território Madeira-Mamoré – que inclui os municípios de Porto Velho, Nova Mamoré e Guajará-Mirim – mais de 5.100 propriedades rurais haviam sido afetadas pela cheia, com 100% de perda da produção animal e vegetal; 15 mil pessoas tinham sido atingidas diretamente e cerca de 4.500 ficaram desabrigados.
A situação é mais difícil no Baixo Madeira, devido estar localizado na área de floresta, segundo o gerente regional do Território Madeira-Mamoré da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), Márcio André Milani. Por esta razão, milhares de animais morreram. A água chegou muito rápido e não houve tempo de retirar os animais para regiões secas. Cobertos pela água, o gado, por exemplo, não resiste muito tempo com o casco molhado, e como a água cobriu o pasto, os animais também sofreram com a fome. Até foram feitas tentativas para a retirada dos animais, sem sucesso. A própria condição de doença e fome deixou os animais acuados, dificultando as tentativas de resgate. De acordo com Milani, no Baixo Madeira predominam pequenas propriedades, com rebanhos de até 20 animais.
Nos distritos de Porto Velho localizados ao longo da BR-364, Nova Mamoré e Guajará-Mirim, os prejuízos foram menores porque havia espaço para a transferência dos animais e pela localização, as pastagens não foram tão atingidas como no Baixo Madeira.
3.849 hectares destruídos
De acordo com a Emater, a cheia recorde do Madeira acabou com as lavouras de mandioca, que é a base da alimentação dos beradeiros, além de frutíferas e hortifrutigranjeiros. Também foram devastadas as criações de bovinos, suínos, aves e piscicultura (peixe de cativeiro), afetando diretamente a produção de leite, queijo, carne, peixes e ovos. A agricultura da região gera em torno de 1.200 toneladas de alimentos por mês e está debaixo d´água, comprometendo inclusive o abastecimento da capital.
O valor das perdas e de investimentos necessários para a reconstrução da região de Porto Velho e distritos atingidos pela água no início de março, indicava a necessidade de aplicação de R$ 52,275 milhões para a reconstrução de casas; R$ 63,418 milhões para a retomada de culturas perenes e anuais (fruticultura, mandioca, milho verde e hortaliças); R$ 18,510 milhões para a pecuária; R$ 170 milhões de infraestrutura (currais, pocilgas, galinheiros e outros, agroindústrias, máquinas e equipamentos).
Sem casa e sem condições de trabalhar
Quando saíram de casa, os ribeirinhos deixaram para trás, além das residências, os pontos, as tralhas e os equipamentos de pesca, perdendo uma importante fonte de renda. As habitações, de madeira, na maioria, foram destruídas. Toda a população dos distritos de São Carlos e Nazaré teve que ser retirada, sendo mais de 500 famílias desalojadas. Estima-se que mais de 50 mil pessoas estão sem água potável. Os beradeiros do Baixo Madeira atingidos pela cheia trocaram as casas arejadas e a paisagem deslumbrante do rio por salas de aula de colégios da Capital, onde aguardam um futuro incerto.
Onde ninguém sabe o que vai acontecer. Os mais velhos sofrem mais, porque perderam suas referências e também porque temem o recomeço, que certamente vai exigir muita energia e saúde.
Com 76 anos, Antônio Gonçalves Núncio aguarda os acontecimentos alojado no Colégio Estadual Roberto Pires, no bairro 4 de Janeiro. Os dias passam devagar no abrigo. Pescador aposentados, ele vive sozinho em São Carlos e sente falta da convivência com os vizinhos. Das caminhadas pelo povoado, do descanso na rede e do sossego. Aos 61 anos, Manoel Pinheiro Rodrigues relutou até quando pode antes de deixar São Carlos. Ficou na balsa de um genro até ser obrigado a morar no abrigo, onde está com a esposa. Ele está ciente de que terá que recomeçar. “Já era. Perdemos tudo.A água já está na biqueira da minha casa, a lavoura está perdida”. Mas seu Manoel não perde a esperança e está disposto a fazer tudo de novo. Para isso, afirma que precisa de apoio do governo.
Nonato Costa, 40 anos, também sabe que terá que recomeçar, mas não acredita muito no apoio do poder público. Sabe que quando a água baixar terá que contar com os próprios recursos para refazer a vida. Costa trabalhava fazendo frete entre São Carlos e Porto Velho, na estrada que vai da Capital até a boca do Jamari. Com o deslocamento da população de São Carlos, ele perdeu a freguesia e se prepara para fazer o mesmo trabalho na Capital. Enquanto se organiza, procura uma escola infantil para o filho de quatro anos. E ajuda os companheiros do abrigo, no que pode. “Aqui todo o mundo é amigo. Um ajuda o outro”.
Anistia para os financiamentos
A situação dramática dos moradores das regiões afetadas pela alagação do Madeira é mais preocupante para agricultores que fizeram empréstimos, aplicaram o dinheiro na lavoura e na pecuária e perderam tudo. O governo já anunciou que o pagamento das prestações do banco será adiado, “mas como é que eles vão pagar, se perderam tudo?”, pergunta o gerente regional do Território Madeira Mamoré da Emater, Marcio André Milani, que defende a anistia total destas dívidas.
“Os bancos exigem o retorno dos financiamentos, mas tem que haver um jeito, uma alteração das regras, para que os agricultores consigam se refazer”, considera.
A casa do agricultor Bráulio Azevedo, na região de Calama, ficou debaixo da água e ele se mudou com os filhos de 17,16 e 14 anos para a moradia de parentes na comunidade de Papagaio. Azevedo conta que fez um empréstimo de R$ 18 mil e recebeu R$ 10 mil. O restante será liberado em duas parcelas de R$ 4 mil. O recurso foi aplicado no cultivo de um hectare de terra, onde ele plantou açaí e banana. Perdeu tudo e agora aguarda os acontecimentos. “Primeiro vamos esperar baixar a água e avaliar a situação, para ver o que podemos fazer”, afirma, resignado.
Por: Ana Aranda – Repórter do Diário da Amazônia