Amazonas – O paciente de 14 anos diagnosticado com raiva humana foi transferido, neste sábado (24/02), para a Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), em Manaus. Uma estrutura especial foi montada na unidade de saúde para dar início a uma fase de tratamento focada na reabilitação do jovem.
O jovem estava, desde o dia 23 de dezembro de 2017, no Hospital e Pronto-Socorro da Criança (HPSC) da Zona Leste, unidade de saúde referência da Secretaria de Estado da Saúde (Susam) no tratamento neurológico de crianças e adolescentes. Ele é, segundo o Ministério da Saúde, a quinta pessoa a sobreviver ao vírus da raiva humana no mundo e a segunda no Brasil.
O retorno do paciente à FMT-HVD, onde recebeu atendimento inicial, foi autorizado pelo secretário de Estado de Saúde, Francisco Deodato, após reunião, na unidade, com a direção e equipe que acompanham o tratamento do adolescente.
“Com base no protocolo que vem sendo seguido pela equipe médica responsável pelo tratamento do paciente e que tem o aval do Ministério da Saúde, decidimos que era a hora de começar uma nova fase, agora focado na medicina de reabilitação e assim oferecer as condições para que ele vá, com o tempo, recuperando funções essenciais para o organismo. Para isso, autorizei que fosse montada uma estrutura própria e adequada, com o corpo clínico necessário para iniciarmos um tratamento de reabilitação”, disse Francisco Deodato.
Uma estrutura especial foi montada na Fundação de Medicina Tropical para a continuidade do tratamento, que agora será voltado para medicina de reabilitação. Ele será acompanhado por uma equipe multidisciplinar formada por pediatras, nutricionistas, infectologistas, neurologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais, além de apoio clínico laboratorial.
De acordo com o médico infectologista Antônio Magela, que acompanha o tratamento do paciente, uma enfermaria privativa foi reservada e equipada aos moldes de uma internação semi-intensiva. O tratamento será por tempo indeterminado, para cuidar de possíveis complicações causadas pela raiva humana.
“O adolescente passou por um importante tratamento no HPSC da Zona Leste, e agora iniciaremos esta nova fase na FMT-HVD. Os familiares do paciente terão acesso à enfermaria, já que o acolhimento familiar tem mostrado resultados positivos. Vamos fazer novas avaliações no menino e depois encaminhar os relatórios da evolução do quadro ao Ministério da Saúde”, explicou.
No início do tratamento, quando foi diagnosticado com a doença na FMT-HVD, o adolescente foi submetido ao Protocolo de Milwaukee, um tratamento experimental para raivas em seres humanos, e teve uso autorizado pelo Ministério da Saúde. Ele é considerado pelo Ministério da Saúde a quinta pessoa a sobreviver ao vírus da raiva humana no mundo e a segunda no Brasil.
Diagnóstico precoce
O infectologista Antônio Magela considera que um dos principais fatores que contribuiu para a cura foi o diagnóstico precoce da doença e a internação imediata. O adolescente chegou ao Hospital da FMT-HVD consciente, sem nenhum sintoma neurológico, mas foi tratado desde o primeiro momento com o Protocolo de Milwaukee, por conta do histórico de agressões de morcego.
O tratamento consiste na sedação do paciente (coma induzido) e uso de medicações – um antiviral e outro medicamento precursor de neurotransmissores, controle da motricidade dos vasos sanguíneos do sistema nervoso central e prevenção de convulsões. No processo, o paciente é mantido em coma induzido, ventilação mecânica e cuidados intensivos de suporte à vida. As medicações foram enviadas pelo Ministério da Saúde à FMT-HVD.
“Ele foi o terceiro membro da mesma família a ser internado. O irmão mais velho, infelizmente, já chegou a Manaus em estado grave e veio a óbito antes de receber o diagnóstico de raiva humana.
A irmã de dez anos foi internada na FMT-HVD e chegou a iniciar o Protocolo de Milwaukee, mesmo sem a confirmação de raiva, mas já apresentava quadro muito grave e, lamentavelmente, também não resistiu ao tratamento. Este adolescente foi internado horas após a irmã falecer, apresentando formigamento nas mãos. Nesse mesmo dia, durante a noite, ele teve uma convulsão e precisou ser sedado e encaminhado à UTI”, explicou Magela.
A família do adolescente vive em uma comunidade ribeirinha localizada no Rio Unini, em Barcelos, onde foram relatados casos de agressão por morcegos em humanos. Os três irmãos tiveram histórico de agressão por morcegos hematófagos.
Durante todo o tratamento, as equipes de saúde têm mantido contato com o criador do Protocolo de Milwaukee, o médico norte-americano Rodney Willoughby, referência mundial no tratamento de raiva humana. Ele acompanhou todos os casos com cura da doença no mundo, inclusive o primeiro no Brasil, que ocorreu em 2009.
Imunização em Barcelos
Em Barcelos, a 405 km de Manaus, a Susam, através da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), reforçou a distribuição de sorovacinação, mais precisamente nas comunidades localizadas na região do rio Unini, onde ocorreram os casos.
A FVS solicitou ao Ministério da Saúde o envio de vacina e soro, até mesmo para as pessoas que não sofreram agressão de morcegos. O procedimento padrão de profilaxia prevê vacinação apenas de pessoas agredidas.
“Frente à situação vivenciada naquelas comunidades, com três casos confirmados de raiva humana, a FVS entrou em contato com a representação do Ministério da Saúde e discutiu a possibilidade de, excepcionalmente, ter uma mudança no que diz respeito à profilaxia. Aquela é uma região de difícil acesso, para que o serviço de saúde consiga fazer, com a agilidade necessária, a manutenção de insumos, como a aquisição da vacina e soro”, explicou o diretor-presidente da FVS, Bernardino Albuquerque.
Controle de morcegos
As ações de monitoramento realizadas pela FVS prosseguem em todos os 37 municípios que apresentaram ataques por morcegos no Amazonas, incluindo Barcelos, onde houve a ocorrência dos casos de raiva.
Nesses municípios, o órgão também continua a realizar o serviço de captura dos morcegos, para análise de circulação viral. É importante ressaltar que somente animais doentes transmitem o vírus rábico. Caso a pessoa seja mordida por um morcego que não esteja doente, não há risco de contrair raiva humana.
Uma equipe da FVS, formada por médico veterinário, biólogo, técnicos de zoonose com vasta experiência na prevenção e controle de morcegos, esteve nas comunidades do rio Unini, para realizar o trabalho de controle a surtos.
A medida mais eficaz, segundo a FVS, foi o uso de pasta vampiricida. Os morcegos tratados com a pasta retornam para a colônia e controlam a população dos animais doentes.
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