A Lamparina do saber

Carlos Costa*

Independentemente de a lamparina ter sua etimologia derivada do espanhol e ser apenas reservatório para colocar combustível e um pavio o ligado, queimando para iluminar, o certo é que na comunidade de Varre-Vento, ela servia para bem mais do só isso: clareava a os olhos e a mente dos que desejavam aprender, mesmo que uma Escola improvisada dentro da residência da professora, por acaso minha tia Terezinha da Costa Amaral. Sendo um recipiente de origem substantivo feminino era do Varre-Vento, mesmo com a lua cheia abrindo espaços na cobertura de palha da casa, ou mostrando o caminho para os casais enamorados – que eram poucos – também “era a lamparina do saber”. Todos os primeiros estudos eram observados e acompanhados pela “lamparina do saber” tanto nas noites escuras do inverno ou no período de lua cheia.

De canoa, no motor do regatão de seu “Panta” ou a pé mesmo, cortando por dentro da plantação nativa de cacau de meu avô, atravessando por cima de uma tora de madeira que servia de ponte sobre um igarapé, ou “furo”, chegava à Escola suado, cansado, mas disposto a aprender. Só não chegava cansado quando pegava “carona” no motor de seu “Panta”, abrindo os braços para sentir a brisa frasca do vento batendo em meu rosto e deslizando suavemente sobre o banzeiro que o próprio motor produzia em seu deslocamento rápido porque tinha que vender e depois partir rápido. Muitas vezes ouvi uma batida na “campa” para dar ré e duas para colocar a embarcação em movimento rumo a outro porto para nova parada e mais uma venda ou escambo. Ah, lembranças que não me saem da cabeça porque sabia que ao retornar para a casa, a “lamparina de meu saber” me aguardava no mesmo lugar!

Depois que me mudei para Manaus e conheci a luz elétrica e a lamparina já produzia o mesmo efeito porque não era mais possível ler e, talvez por isso, use óculos de grau até hoje, embora tenha passado somente nove anos na comunidade, dos quais apenas dois frequentando a Escola.

Muitas vezes, deixava de fazer as tarefas por não conseguir ver direito à luz da “lamparina do saber” e comecei a duvidar se ela era mesmo “lamparina do saber” e porque não conseguia ler nem mesmo tinha escrito e também porque o cheiro ruim me incomodava.

Hoje existem várias denominações, finalidades e nomes para as lamparinas, como candeia e também lâmpada de azeite, mas todas se compõem pela mesma formação: sempre é constituída de um recipiente para queimar algum tipo de óleo combustível, sobre o qual flutuava um pedaço de madeira ou cortiça, funcionando como um pavio.

Seu uso se estende desde a pré-história, às modernas pesquisas científicas em laboratórios. Mas todas ainda servem para o saber, descobertas e novas pesquisas em laboratórios.

No corte da seringa, se usava a “poronga” feita de latas de óleo, para clarear e iluminar o caminho dos explorados nordestinos, que migraram fugindo da seca ou “convidados” por guardas com metralhadoras a mão, durante a II Guerra Mundial, para irem para o Amazonas, ou para a guerra ou cortar seringas.

A poronga geralmente era usada presa à cabeça por um pano. Mas isso é outra história, porque não existia seringal na comunidade de Varre-Vento, mas uma imensa quantidade de cacau nativo cultivado e explorado comercialmente por meu avô, José Raimundo. Na comunidade, a gurizada se divertia nas águas dos rios, matas, praias que apareciam e depois eram engolidas pelas águas, igarapés que cortavam de um lado a outro até o lago mais próximo, mas tudo era uma diversão geral.

Enfim, o quero dizer mesmo é que aprendi a ler e escrever à luz de lamparina e sou feliz por isso até hoje porque ingressei na primeira serie quando me matriculei em Manaus em 1969, no Grupo Escolar Adalberto Valle mesmo à luz de lamparina. Muitas outras pessoas de nosso vasto e rico interlandio como o empresário e administrador de empresas Francisco Saldanha Bezerra, nascido no seringal Vista Alegre, no Município de Canutama, na calha do Rio Purús e lá viveu até seus 11 anos, também aprenderam a ler a escrever à luz de lamparina, comendo refeições feitas em fogão de barro, dentro panelas de ferro, com fogo produzido com galhos de madeira, o que também produzia uma fumaça. Mas pelo menos todos eram felizes porque fomos criados livres, leves e soltos, sem dinheiro, mas responsáveis desde pequenos!

Essa é a realidade para foi vive no interior do Amazonas, abandonado e esquecido!

*Carlos Costa, é assistente social, escritor, cronista e jornalista.
carloscostajornalismo.blogspot.com

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